Rosana Nunes em 26 de Maio de 2020
A decisão foi publicada nesta terça-feira, 26 de maio, e suspende, provisória e imediatamente, os decretos n.° 5.194/2020 e n.° 5.202/2020, do Município de Ladário, até o julgamento do mérito da ação. O desembargador, relator do processo, ainda determina a notificação urgente do prefeito Iranil Soares sobre a liminar.
"Em que pese a ausência de efeito prático, específico e concreto do ato impugnado, já que conclama, recomenda e sugere que os cidadãos de Ladário voluntariamente cumpram as disposições espirituais nele contidas, o fato de estabelecer período certo de duração evidencia um mínimo de efeito cogente à população daquela municipalidade, estabelecendo certas liturgias espirituais (orações, jejum e corrente/cerco de oração), em desrespeito ao pluralismo existente na sociedade local", citou o desembargador em sua decisão.
"É necessária a cessação imediata do ato impugnado potencialmente capaz de causar confusão ou desconforto desnecessário à comunidade ladarense, em época já naturalmente de bastante dificuldade em razão do enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, cabendo a cada um dos indivíduos, de maneira reservada, íntima e de acordo com sua livre e própria convicção professar ou não alguma fé ou sentimento religioso", completou.
Entenda
O decreto nº 5.194 foi publicado no dia 15 de maio e pediu que os cristãos façam suas orações em casa ou nos locais de adoração, voluntariamente, e sem aglomeração e para o dia 07 de junho, que os moradores façam um “cerco espiritual” entre 05h e 06h, em suas residências, “para pedir a Deus por todas as pessoas que já estão doentes quanto para aqueles que já estão tomando medidas para não contrair a covid-19, bem como afastar esse mal que assola a nossa nação”.
Embora o documento citasse a participação voluntária da população, o presidente da Subseção da OAB em Corumbá, advogado Roberto Ajala Lins, disse que o decreto é inconstitucional e subsidiou a OAB/MS, órgão competente, em Ação Direta de Inconstitucionalidade, impetrada no dia 20 de maio no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.“Viola a liberdade de crença, cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988, uma vez que o prefeito se utilizou de sua autoridade civil para imiscuir-se em um assunto que tange o mais íntimo do indivíduo, a sua fé. Inclusive, definiu os dias, horários e o modo de se realizar as orações por ele decretadas. O decreto fere a separação Igreja-Estado. A linha tênue que existe entre o Estado e as religiões em geral, faz com que não exista nenhuma religião oficial e o Estado não deve deixar de prestar proteção e garantia ao livre exercício de todas as religiões. Esse é o Estado laico”, explicou Roberto Lins.
O prefeito Iranil Soares não revogou o decreto, mas alterou o texto. No decreto número 5.202, de 21 de maio de 2020, ele conclamou a população ladarense "a fazer orações voluntárias a Deus como uma medida complementar neste período de pandemia da covid-19”.
Anderson Gallo/Arquivo Diário Corumbaense
Prefeito Iranil Soares editou dois decretos pedindo orações à população
A nova redação pediu à população que atenda às recomendações das autoridades da Saúde em relação à prevenção do coronavírus e ressaltou que “o presente decreto não tem o condão de tornar obrigatória a oração e nem de impor determinada fé ou religião. Trata-se de um clamor oficial generalizado, que tem intenção de ser complementar às medidas sanitárias legais já devidamente realizadas pelo Poder Municipal”.
O presidente da Subseção da OAB/Corumbá falou ao Diário Corumbaense sobre a suspensão dos decretos. "Essa decisão liminar entendeu o pleito da OAB porque viu que estavam presentes os requisitos legais capazes de suspender provisória e imediatamente a eficácia dos decretos manifestamente inconstitucionais", afirmou.
O prefeito de Ladário, Iranil Soares, disse que vai aguardar a notificação oficial sobre a decisão e que não vai recorrer. "Vamos nos manifestar durante o processo", disse ao se referir ao Colegiado do TJMS que irá julgar a ação de inconstitucionalidade movida pela OAB/MS. (matéria editada para acréscimo da posição do prefeito ladarense).
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