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Museu de Arqueologia do Pantanal reata elo perdido de 5.500 anos

Nelson Urt - especial para o Diário Corumbaense em 25 de Novembro de 2019

Anderson Gallo/ Diário Corumbaense

Museu vai funcionar de terça a sábado e surge como espaço de pesquisas e trabalhos de estudantes e professores

Um mergulho no passado para melhor entender o presente. É assim que o Museu de Arqueologia do Pantanal está sendo apresentado por seus organizadores. O espaço, que resgata 5.500 anos de pré-história e história do Pantanal, fica na Unidade 3 (Porto Geral) do Campus Pantanal/UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). 

O museu é resultado de um trabalho de pesquisa de 22 anos do arqueólogo José Luís dos Santos Peixoto, professor de História da UFMS com doutorado em História na PUC do Rio Grande do Sul. Ele teve o apoio da professora corumbaense Ariane Carvalho de Arruda, doutora em História Ibero-Americana, com atuação na área de etnohistória, e equipe.

 

Trata-se de uma exposição permanente de 190 peças arqueológicas intitulada “Da pré-história do Pantanal à colonização europeia”, com a finalidade de estabelecer uma conexão entre o passado remoto e o presente, e desmistificar a ideia de que nossa história só começa após a fundação de Corumbá em 1778. 

 

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Ariane faz estudos etnohistóricos com relatos que apontam movimentação na nossa região desde 1.542

“O conhecimento te leva ao pertencimento. Não é só valorizar e preservar, é algo além, é você se reconhecer pertencente a esses grupos de 5.500 anos que habitaram o Pantanal e seus remanescentes”, afirmou a professora Ariane, responsável pelos estudos de etnohistória que ajudaram a montar o museu. “O que é ser pantaneiro? Com esse museu, as escolas vão ter a oportunidade de ter acesso a essa história e à resposta do que é ser verdadeiramente pantaneiro”, acrescentou. 

O museu resgata grande parte de uma história desconhecida para o público. Aprende-se nos livros didáticos a história de Corumbá a partir de sua fundação, em 1778. São 241 anos que colocam Corumbá como uma das cidades mais antigas do Estado. O que os pesquisadores buscam lembrar é que havia uma intensa movimentação nesta região muito antes de 1778, desde a chegada dos colonizadores europeus e suas expedições a partir de 1542.

 

“O Álvar Núñez Cabeza de Vaca (explorador e escritor espanhol) começou a andar por aqui em 1.542. Era um lugar de grupos étnicos, de registros, inclusive com a fundação de uma cidade espanhola perto de onde hoje é Aquidauana, chamada Santiago de Xerez”, enfatizou a professora Ariane. 


“Para se ter uma ideia, uma das cidades mais antigas da América é Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, fundada pelos espanhóis em 1.559, logo vai fazer seus 500 anos. E a gente acha que Corumbá é antiga. A gente não percebe a dinâmica da pré-história”, enfatizou o professor José Luís Peixoto ao Diário Corumbaense.

 

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

O museu contém 190 peças arqueológicas, muitas delas retiradas de sepulturas nos aterros da planície pantaneira

Como estudante, a professora Ariane começou a ter contato com esse lado da história, de fato, só na universidade. Até ali, para ela, parecia que a história começava em 1.778. “É algo que trago comigo, sou corumbaense, você não se reconhece ser pantaneiro só por morar no Pantanal. É preciso saber a pré-história do Pantanal”, comentou. 

O museu contou com apoio institucional da Acaia Pantanal, organização não-governamental (ong) que garantiu os recursos financeiros para viabilizar a montagem da exposição. Foram investidos R$ 17 mil na montagem do museu. A UFMS cedeu a sala no térreo da Unidade 3. Não houve investimentos financeiros federais.

 

Canoa de um pau só, o símbolo pantaneiro

 

Apontada pelo arqueólogo José Luís dos Santos Peixoto como símbolo mais representativo e imponente do pantaneiro, a “canoa de um pau só” ocupa um lugar de destaque no centro do Museu de Arqueologia. A canoa em exposição foi montada durante uma pesquisa de Peixoto, que acompanhou desde a escolha e corte da árvore até o processo de talhe do tronco. “Ela mede 5,70 metros, é enorme, cabe uma família aqui dentro, mas lá dentro d’água parece pequena porque fica quase toda submersa, quase ninguém a vê”, comentou o arqueólogo.

 

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Peixoto aponta a "canoa de um pau só", até hoje utilizada no rio Paraguai e afluentes, como símbolo pantaneiro

Usa-se apenas um tronco, que pode ser de diferentes tipos de árvores pantaneiras, como o argelim, o mais procurado, a piúva, a ximbuva, o cambará e o guatambu. Uma canoa feita de piúva pode durar até 22 anos, já uma preparada com a ximbuva, mais leve, tem durabilidade de apenas dois anos.

A “canoa de um pau só”  foi criada no Pantanal, para atender as necessidades dos povos originários. Com o tempo passou a simbolizar os guatós, chamados de índios canoeiros. “É uma obra de engenharia, dá autonomia na planície pantaneira. Equipamentos europeus eram adaptados para o mar e água limpa, enquanto as canoas de um pau só entravam nos corixos e sumiam, e elas conseguem navegar num palmo d’água. No mato tem muito camalote, capim, mas ela não tem nada que prende embaixo, a forma ovalada permite que vá deslizando”, explicou Peixoto.

 

No circuito do museu, que ocupa apenas uma sala, o visitante ainda verá fragmentos cerâmicos (88.919 unidades), líticos (5.151 unidades), ossos (61.348 gramas), sementes (140 gramas), carvões (2.306 gramas), madeiras (122,4 gramas), conchas (181.337 gramas), contas de colar (3.705 unidades), pontas (65 unidades), pingentes (39 unidades) e cachimbos (12 unidades), provenientes dos sítios arqueológicos e das doações da comunidade local do Pantanal.

 

Aterros e arte rupestre comprovam ocupação

 

Além da canoa de um pau só, usada nos dias atuais pelos pescadores ribeirinhos, os aterros e a arte rupestre dos sítios arqueológicos são outros símbolos enigmáticos da ocupação dos povos originários na planície pantaneira.

 

“No museu a gente tenta trazer essa história dos grupos que estiveram aqui há 5.500 anos, que são os sítios mais antigos na planície de inundação, considerados aterros, comprovados com datações de rádios carbonos”, afirmou a professora Ariane Arruda. “São datações retiradas geralmente de restos de fogueiras, de adornos que encontramos em sepultamentos, junto com o esqueleto. São datações bem confiáveis”, acrescentou.

 

Reprodução

Gravuras rupestres indicam presença do homem na planície pantaneira há 5.500 anos

A arte rupestre – desenhos na rocha – estão visíveis no Morro do Carcará, que se assemelha a uma grande tela. Ali aparecem formas geométricas, provavelmente um alfabeto dos ancestrais. 

Na planície pantaneira de Ladário as datações indicam uma ocupação humana ainda mais antiga daquela de 5.500 anos encontrada em Corumbá: ali os vestígios arqueológicos datam de 8.200 anos atrás.

As características culturais encontradas nos sítios ajudam a identificar as etnias. Esses traços são comparados com a etnohistória (fontes escritas), que são as fontes escritas coletadas após a chegada dos europeus. “Temos escritos a partir de 1.542 no Pantanal, período da colonização, características culturais, como se vestiam, como comiam, rituais, tudo bem registrados por etnógrafos”, contou Ariane a este Diário.

 

Os grupos conhecidos historicamente – paiaguá, guató, guaicuru – são considerados remanescentes dos grupos que viveram há 5.500 anos. As etnias mais recentes, como terena e kadiwéu, por sua vez são remanescentes guaicuru.

 

Provavelmente houve o contato dos incas com os xarayes, povos da planície pantaneira. O império inca avançou e chegou até a região de Santa Cruz de la Sierra – existe um sítio arqueológico inca em Samaipata, a 130 km de Santa Cruz. Segundo os pesquisadores, muitos adornos diferentes foram encontrados na planície pantaneira. “Eles (os xarayes) diziam que (os adornos) não eram daqui, eram de terras adentro, que seriam terras a oeste, da Chiquitania (Bolívia). Eles apontavam para os Andes”, contou a professora Ariane.

 

Os xarayes, que habitavam a região norte, nas lagoas Gaíva e Uberaba – chamadas pelos espanhóis de Mar de Xarayes - usavam roupas longas de algodão. Além de se vestirem, usavam colares de metal – prata e bronze – e despertavam a atenção dos colonizadores europeus, que queriam saber de onde vinha aquela riqueza. Os exploradores europeus que aqui chegavam buscavam informações de como atingir as minas de prata e ouro.

 

Serviço

 

O Museu de Arqueologia do Pantanal com a exposição permanente de 190 peças arqueológicas, intitulada “Da pré-história do Pantanal à colonização europeia”, fica na Unidade 3 do Campus Pantanal (UFMS), antigo prédio da Alfândega, na rua Domingos Sahib, 99, Porto Geral. Funciona de terça-feira a sábado, das 08h às 17h. A entrada é gratuita para todos os públicos.

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Museu de Arqueologia funciona na Unidade III da UFMS, no Porto Geral de Corumbá

Comentários:

Suzianny da Silva Mosciaro Ebeling : Resgate histórico da nossa região. Parabéns Dra Ariane e Dr José Peixoto

Eraldo Cavalheiro Ferreira: Adorei a matéria. Muito boa. Parabéns!

José Carlos Balsi: Conheço estas localidades todas, mas não conhecia as sua história, as suas riquezas, todo o material que vi e li, creio qué não representa um milionésimo do que ainda iremos descobrir, o Pantanal é Lind, é uma riqueza comparável à da Amazônia, outro Bioma muito importante para o Brasil e o mundo, é sem menosprezar o Pantanal, que tem um acervo de riquezas comparaveis ou até maiores do que a Amazônica. Só espero, que meus Netos consigam ver estas riquezas ainda intactas, como os Ninhais do Pantanal, os Rios e Corichos borbulhando na piracema, a Biodiversidade da Amazônia, a qual é incomparável com qualquer outra parte deste mundo e, a imponência maravilhosa do Monte Roraima, onde o êxtase da Natureza desabrocha !

douglas petri: Museu com Alma. Melhor Almas. De José Peixoto e Ariane Arruda. O exemplo para a Cultura mundial. Inteligência e trabalho à serviço do Mato Grosso do Sul.

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