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Escrever é diferente de falar

Coluna Coisas da Língua, com Rosangela Villa(*) em 07 de Junho de 2019

Caros leitores

A ideia das pessoas sobre o que é certo e errado na língua, reacende a velha discussão do mito da língua única ou da homogeneidade da língua portuguesa no Brasil, nos quais muitos acreditam. Do ponto de vista da escrita da língua, concordamos que há uma norma a ser seguida e respeitada, mas se engana quem espera que regras da escrita sejam espelhadas 100% na fala, afinal, escrever é diferente de falar. Nesse contexto, convém lembrarmos que, num passado não muito distante, já tivemos mais de 300 línguas diferentes faladas em solo brasileiro. Foram muitas as línguas indígenas que morreram junto com seus falantes ou desapareceram devido à supremacia do português e à imposição do uso aos indígenas.

Nessa trajetória, a história revela que, para além das diversas línguas indígenas dos naturais, tivemos, ainda, na formação da língua portuguesa do Brasil, a influência das línguas africanas trazidas pelos negros escravos de várias regiões da África, principalmente de Angola. Assim, o nosso único modelo de língua falada não foi o português de Portugal. Portanto, é natural que tenhamos sotaques e expressões diferenciadas para conceituar um mesmo fato social, nome de coisas e objetos, de pessoas (guri, moleque, menino, garoto, piá), de alimentos (mandioca, macaxeira, aipim), de frutas (tangerina, mexerica, ponkan, bergamota), para fazer o diminutivo de palavras (mesinha/mesita), dentre outros. Sendo assim, diante de um país tão vasto, tendo acolhido imigrantes de vários países, além dos portugueses, é natural nos depararmos com aquilo que as ciências da linguagem denominam de variação linguística.

Por essas e outras razões, é arriscado adotar a postura que a língua é homogênea do Oiapoque ao Chuí. Com a publicação do livro Por uma vida melhor, SIMONETTI (2010), muitas pessoas entenderam que a autora do artigo Escrever é diferente de falar, Heloisa Ramos, de quem emprestamos o título, estava sendo permissiva em dizer que não há erro na língua. Na verdade, foi um desvio de interpretação que causou muita polêmica, pois na modalidade escrita há, sim, um padrão gramatical que deve ser respeitado, contudo, as variações que ocorrem no nível da fala são frutos da própria história do falante vinculada à sua origem regional, gênero, faixa etária, nível de escolarização, grupo social a que pertence, profissão, dentre outros fatores.

Essas condições terão um efeito na linguagem do indivíduo, que irá se refletir na sua forma de escrever, principalmente para quem está iniciando a vida escolar ou para adultos com baixo nível de escolarização. Portanto, professores de português, se encontrarem no caderno de seus alunos palavras, tais como cósca, fósfru, garagi, muié, vidru, ovu, iscola, lenu … é devido à influência da fala na ortografia, estas deverão ser corrigidas e, após, ensinada a forma correta de pronunciá-las. Exemplos de palavras como barde, bicreta, praca, sar, pobrema… deverão, para além da correção da escrita gramatical, ter as pronúncias ensinadas, mas com o devido respeito e a explicação aos alunos dos mecanismos que envolvem a variação na fala. Até a próxima.

(*) Rosangela Villa é professora associada da UFMS e colaboradora do Diário Corumbaense.