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Cornucópia: esquema “inflava” salários para liberar empréstimos consignados

Marcelo Fernandes em 14 de Novembro de 2013

A “Operação Cornucópia” deflagrada pela Polícia Federal no final da tarde da quarta-feira, 13 de novembro, em parceria com a 5ª Promotoria de Justiça, investiga a existência de uma rede de servidores públicos municipais que seria especializada em fraudar a folha de pagamento da Prefeitura de Corumbá com a intenção de aumentar a margem para contratação de empréstimos consignados do funcionalismo junto a Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil.

De acordo com as investigações da PF e do Ministério Público Estadual (MPE), após liberados os recursos pelos bancos, os valores eram sacados integralmente e tinham de ser repassados aos organizadores do esquema. As apurações iniciais dão conta que os empréstimos consignados eram todos pagos com verba pública não devida aos funcionários, e que teriam o envolvimento de cerca de 100 pessoas. As investigações apuram o período entre 2007 e 2012. A estimativa é que pelos menos R$ 5 milhões tenham sido desviados dos cofres do município.

“A fraude consistia na seguinte situação: o servidor era cooptado pelo grupo. Aceitando, receberia uma gratificação para pagar aquele empréstimo que ele tomaria. Ao ser depositado o empréstimo, ele sacava em dinheiro e em alguns casos entregava todo o dinheiro na mão do grupo, ou ficava com uma parte e entregava a outra ou fazia pagamentos a pessoas e empresas com a parte consignada”, explicou o delegado chefe da Polícia Federal em Corumbá, Alexandre do Nascimento, durante entrevista coletiva nesta quinta-feira, 14 de novembro. A operação realizada na sede do Executivo Municipal apreendeu documentos e pendrives  para análise pericial. “Os empréstimos variavam muito. Tem caso de servidores que pagavam prestações de mais de 8 mil reais. Há servidor que pegou mais de 300 mil reais e tinha como desconto mais de 8 mil reais mensais”, complementou.

Fotos: Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Delegado Alexandre Nascimento e promotor Luciano Lara, explicaram como funcionava a fraude

Participando da coletiva, o promotor de justiça, Luciano Anechini Lara Leite,  explicou que o golpe consistia justamente no aumento das margens salariais de maneira fictícia. “A questão é que não recebiam esses valores . Esses valores eram somente inseridos no sistema para gerar margem de consignação. Tinha que haver sobra no salário para ter condições de contratar o empréstimo. Com essa sobra, fazia-se imediatamente o contrato do empréstimo consignado junto ao banco, o contrato era aprovado e feita a liberação do dinheiro. Esse dinheiro era imediatamente sacado em espécie na boca do caixa e entregue. Os servidores que foram ouvidos são categóricos em dizer que entregavam, em mãos, na Prefeitura para o senhor Wilson os valores, entregues em envelopes do próprio banco dentro da prefeitura na sala do servidor”, informou o promotor. Wilson Roberto Fernandes teve a prisão temporária decretada pelo período de cinco dias. Ele foi gerente de Recursos Humanos da Prefeitura, na administração do ex-prefeito Ruiter Cunha de Oliveira.

As investigações de mais de um ano da Polícia Federal apontaram para a participação de médicos, dentistas, secretários municipais, procuradores do município e servidores comissionados e efetivos.  “Há indícios de formação de quadrilha, de peculato, inserção de dados falsos no sistema de informação da Prefeitura, falsidade ideológica, falsificação de documentos públicos, corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro”, disse o delegado da Polícia Federal.

Rastreando o destino da verba

Segundo ele, a destinação do dinheiro adquirido com empréstimos consignados ainda está sendo rastreada, mas já há algumas pistas. “A gente pode dizer que parte foi utilizada para pagar até empresas contratadas pela Prefeitura, não se sabe se era pagamento por fora ou se era parte de algum acerto, se era relativo a acerto ligado a fraude em licitação. Temos comprovado que parte dos recursos de alguns consignados foram utilizados para pagamento de despesas da Prefeitura”, informou o delegado.

A elevação da margem salarial para aquisição de empréstimos era, de acordo com o delegado Alexandre, “manobra” que só podia ser realizada pelo administrador competente. “Quem autorizava  a implementação  dessas gratificações ou eram secretários municipais, ou presidentes de fundações, diretores de autarquias ou o prefeito. É prematuro falar sobre indiciar o ex-prefeito. Mas, tudo vai ser levantado e caso haja indicio será indiciado”, afirmou o delegado.

Cópias de documentos de movimentação do sistema financeiro do RH da Prefeitura no período de 2007 a 2012

“Está clara a improbidade administrativa e está clara a responsabilidade do ex-prefeito Ruiter Cunha de Oliveira porque era o responsável principal quanto à folha, responsável principal com relação ao erário municipal e era o ordenador de despesas efetivo”, destacou o promotor Luciano Lara Leite.

O titular da 5ª Promotoria exemplificou como eram inflados os salários para aquisição de empréstimo bancário com pagamento em folha. “Houve uma indenização no valor de R$ 51 mil paga num mês, uma indenização de 5 mil e gratificação de dedicação exclusiva paga em duplicidade que gerou vencimento para um servidor de 68 mil reais. Sendo que o vencimento básico dele é de três mil reais. Isso que de janeiro ao mês de fevereiro,  ele teve aumento de vencimento de 836 reais para 3 mil. Outro servidor em março de 2012, recebeu gratificação por dedicação exclusiva de 5 mil reais e a folha complementar traz uma nova gratificação dedicação de 2.500 reais. Um dos casos mais gritantes de documentação que temos, é que  em fevereiro servidor recebeu vencimento de salário de R$ 9.500 e uma indenização também em fevereiro de 85 mil reais”, contou Luciano Anechini informando que os empréstimos variavam de R$ 5 mil a 400 mil.

Folhas salariais “infladas”

Para pagar as parcelas dos empréstimos, segundo a investigação, o grupo fraudava as folhas no setor de Recursos Humanos na Prefeitura. Inflava as folhas com os valores fictícios, encaminhava aos bancos, que fazia o desconto da parcela e o servidor recebia o valor habitual do salário, em algumas situações acrescidos de um pequeno valor. “Há funcionários que foram cooptados, houve coerção, assédio moral para que fizessem empréstimos e disponibilizassem esses recursos para a quadrilha. Há funcionários que participaram por interesse, por ficar com parte desses recursos e efetivamente participaram do esquema. Muitos servidores foram utilizados cedendo nomes, serviram como laranjas. As apurações iniciais dão conta de mais de uma centena de funcionários. Temos comprovados 56 funcionários que temos documentação com situação bem definida”, disse o promotor.

O esquema começou a ruir com a mudança da administração este ano, quando Paulo Duarte assumiu a Prefeitura. “Com a cessação pela atual administração se agravou a situação. Alguns funcionários passaram a ficar devedores, não recebendo nada de salário, todo o salário estava sendo comprometido com as parcelas dos empréstimos feitos em razão das verbas artificialmente colocadas em seu holerite. Funcionários que recebiam 4 mil reais voltaram a seu salário efetivo de pouco mais de um salário mínimo e as parcelas dos empréstimos, por exemplo, chegavam a 2.500,  3 mil reais. Esses funcionários têm que, mês a mês, pedir a liberação no banco de 70% dos salários e isso levou a essa situação”, contou o representante do MPE ao informar que muitos servidores procuraram o Ministério Público para denunciar a situação e houve ainda uma documentação enviada pela Câmara de Vereadores no ano passado. A situação já era alvo de um inquérito civil instaurado pelo MPE, o de número 048/2012.

“Deixar claro que a apuração está sendo feita em razão de situações ocorridas entre os anos de 2007 a 2012. As investigações não envolvem a atual administração. E a situação até onde se chegou a investigação, é de que não persiste isso nessa administração. Inclusive foi o fato dessa administração municipal não ter honrado os compromissos  que foram feitos pela organização criminosa que estava atuando no setor de gestão de recursos humanos da Prefeitura é que a situação se agravou e as pessoas passaram  a procurar o Ministério Público”, finalizou o titular da 5ª Promotoria de Justiça. “Após a mudança de administração houve cessação de pagamentos, deixaram de pagar algumas gratificações que eram justamente para pagar os consignados”, completou o delegado Alexandre.

O MPE recomendou agora à Prefeitura, atenção total à folha de pagamento dos servidores e a regulamentação de gratificações e indenizações. A Polícia Federal também irá iniciar outra fase de investigação junto aos bancos onde os empréstimos eram contraídos.

Significado da operação

Cornucópia é o símbolo da abundância na mitologia grega e deu nome à operação em alusão à riqueza supostamente obtida pelos envolvidos e abundância de recursos públicos disponibilizados, estimados em 5 milhões de reais. 

Comentários:

Enzo. C. A Martinez: a casa caiu. Temos esperança que um dia alguém seja responsabilizado e preso. Como em tantos outros casos, esperamos.