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Com restrições por causa da pandemia, devotos mantém religiosidade e celebram São João em Corumbá

Rosana Nunes e Leonardo Cabral em 24 de Junho de 2020

Anderson Gallo/ Diário Corumbaense

Festeiro Alfredo Ferraz, acompanhado da mãe, voltou às origens e banhou imagem de São João em casa

O ano atípico afetou as celebrações de uma festa que é centenária em Corumbá: a homenagem a São João Batista. Após anúncio do cancelamento das festividades no município pantaneiro, pela Prefeitura, os devotos celebraram em casa, sem deixar a tradição, religiosidade e devoção de lado.

Um dos festeiros mais tradicionais da cidade, Alfredo Ferraz, já tinha adiantado que pelo momento em que o mundo passa, por conta da pandemia do coronavírus, faria a celebração seguindo as recomendações de combate à covid-19. Na véspera do dia do santo, logo cedo em sua casa, na rua Monte Castelo, realizou o levantamento do Mastro, que é um dos principais rituais das comemorações de São João. Esse ato, identifica a casa do festeiro, mostrando para todos que o local está aberto para os devotos.

“Herdei do meu avô e do meu pai a tradição de homenagear São João. Mas, foi minha a iniciativa de levar a imagem do santo para ser banhada nas águas do rio Paraguai na noite de 23 para 24 de junho, ápice das homenagens. Isso começou há 15 anos, quando eu ainda era adolescente e ganhei a imagem e o andor dos meu tios. De lá para cá, a festa promovida foi só se fortalecendo e atraindo um grande número de devotos. São João faz parte da minha vida. É muita fé, muita devoção, muitas graças, não só para mim, como para toda a comunidade”, disse Alfredo ao Diário Corumbaense.

Alfredo seguiu a tradição. Promoveu o café da manhã com a casa aberta para que os devotos fizessem seus agradecimentos à imagem de São João. Já à noite aconteceu o momento mais importante de toda a louvação: o banho da imagem sagrada. Desta vez sem prainha do Porto Geral, ladeira ou rio Paraguai.

“Em razão da pandemia, estamos fazendo como meus avós faziam, dentro de casa. Iniciamos com a reza, a novena e finalizamos com o banho da imagem. Não deixamos a tradição morrer, a cada ano nossa devoção só aumenta”, disse Alfredo que estava acompanhado da mãe enquanto banhava o santo.

Foto cedida ao Diário Corumbaense

Na casa de Jota Marques (de camiseta preta), foi o primeiro ano de promessa feita ao santo pela saúde da mãe dele

O devoto Jota Marques, disse que esse ano seria o primeiro a celebrar São João, como festeiro, e estava preparando uma grande festa, para cumprir sua promessa, pela rápida recuperação de sua mãe, que enfrentou problema de saúde bastante complicado em 2019.

“Realmente estava preparando uma grande festa, para comemorar São João, tudo isso para agradecer pela saúde da minha mãe. Passamos por momento difícil ano passado bem na época da festa de São João e por esse motivo me vi agarrado à fé pela recuperação dela e assim foi, com a graça do santo e dos médicos, hoje estamos aqui para agradecer, claro, que com todas as restrições e recomendações, para evitar o vírus”, disse Jota a este Diário.

Ele fez questão de reafirmar o compromisso, com o Santo. “Mesmo sem a festa, o que vale é a fé, devoção e estar aqui para agradecer as bênçãos alcançadas e pedir ainda mais bênçãos a São João. Em casa fizemos a reza, eu, meu pai, minha mãe é claro, irmãos, todos seguindo os procedimentos de prevenção, mas não deixando a fé e a religiosidade de lado, que são o mais importante”, garantiu.

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Na prainha do Porto, casal cumpriu ritual e apesar da proibição da descida para evitar aglomeração, teve gente que foi em grupo banhar imagem

Apesar da determinação da Prefeitura de não descer com andores ao Porto Geral, alguns devotos não deixaram de fazer o ritual na beira do rio Paraguai, antes do toque de recolher, que começa às 21h. 

Teve devoto que foi sozinho, banhou a imagem de São João e fez orações. Teve casal que foi de carro até a prainha e fez o mesmo ritual. Também teve grupo em maior número que levou o andor para ser banhado. 

A festa

Originalmente, o Banho de São João, uma das festas mais tradicionais de Corumbá e que é Patrimônio Imaterial de Mato Grosso do Sul, reúne milhares de devotos de São João Batista, muitos vêm de outras regiões do Brasil. O ritual, que remete ao batismo de João Batista nas águas do rio Jordão, faz de Corumbá, única cidade do Brasil a manter uma tradição secular. Toda a festa começa na casa dos devotos. Lá, eles preparam comidas típicas, rezam pelas graças alcançadas e pedem bênçãos a São João.

Os andores, cada um com suas peculiaridades, seja ele grande, médio ou pequeno, se encontram na Ladeira Cunha e Cruz. A reverência entre eles é um dos pontos mais cultuados pelos festeiros, seja na hora da descida, subida ou até mesmo nas margens do rio. Os cortejos são acompanhados por cânticos em louvor a São João, com ritmo marcado por instrumentos como violões; sanfonas e bumbos e num só coro, os devotos levam a imagem às margens do rio para banhá-lo.

Só no ano passado, a Prefeitura certificou mais de 100 festeiros como agentes culturais. São eles que todos os anos ajudam a tradição a não se perder e é por isso, que o festejo segue em busca do Registro de Bem Imaterial Nacional.

Este ano, a celebração não aconteceu, a ladeira Cunha e Cruz, antes tomada por milhares de fiéis, ficou vazia. Mas a esperança é que a pandemia passe e que a festa secular volte em 2021 ainda mais fortalecida. 

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Antes tomada pela multidão de fiéis na noite de 23 para 24 de junho, Ladeira Cunha e Cruz ficou vazia este ano

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