Leonardo Cabral em 10 de Junho de 2020
Leonardo Cabral/ Diário Corumbaense
Diretor-presidente da Fundação de Cultura, Joílson Cruz, reforçou orientação da não descida de andores ao Porto
E para reforçar as medidas de prevenção e combate à covid-19, a Fundação da Cultura e do Patrimônio Histórico e Secretaria de Saúde de Corumbá, reuniu mais de 90 festeiros, devidamente cadastrados, na noite de terça-feira, 09 de junho, no ginásio Lucílio Medeiros, obedecendo todas as recomendações, como distanciamento e uso obrigatório de máscaras.
O momento proporcionou o encontro de boa parte dos festeiros acostumados a se verem na Ladeira Cunha e Cruz, durante o trajeto percorrido com os andores de São João em meio à multidão até a prainha do Porto para o banho da imagem do santo. Com a pandemia, a Prefeitura cancelou a festa e decretos municipais, em vigor desde março, proíbem aglomerações e o toque de recolher vai das 21h às 05h.
O diretor-presidente da Fundação de Cultura, Joílson Cruz, enfatizou que o Porto Geral não terá nenhuma estrutura física este ano e que a recomendação é que os festeiros não desçam com os andores, pela primeira vez, em mais de 130 anos de ritual.
“Entendemos o momento da religiosidade e o que o ato de banhar o santo representa, mas é preciso seguir as recomendações da Secretaria Municipal de Saúde”, explicou Joílson. “O importante é que os festeiros façam sua devoção em casa, sem aglomeração e que não desçam para o Porto. Precisamos sim, manter a tradição e a fé, porém, mais importante é que possamos nos preservar. Que todos tenham a consciência de que nesse momento precisamos disso”, completou Joílson.
Ele também informou que este ano o repasse em dinheiro aos festeiros foi cancelado. “A estrutura física do Porto não teremos, bem como o repasse aos festeiros, pois não podemos estimular a situação e ir na contramão daquilo que a administração vem fazendo para o combate ao novo coronavírus”, pontuou.
Já o secretário de Saúde, Rogério Leite, foi enfático ao dizer que sabe da importância desse ato religioso, mas o momento não é de festa. “É uma decisão difícil que o poder municipal está tomando. Sabemos que uma festa dessa gera emprego direto e indireto, e o mais importante de tudo isso é a fé e a crença de todos, principalmente dos devotos, mas num momento desse de pandemia temos que pesar, começar a equacionar todas as situações e rever a segurança e assistência a cada cidadão corumbaense. E é nisso que estamos empenhados, em assegurar a vida e a saúde das pessoas e tentar construir em uma próxima etapa um grande São João, para que a gente possa realmente celebrar a vitória frente à covid-19”, falou.
O secretário ainda destacou que o momento é de responsabilidade civil, individual e coletiva. "Não haverá descida dos andores, mas a fé, a crença e nem a tradição vão acabar. Simplesmente é um momento que vamos deixar de fazer, para dar segurança às nossas famílias. A novena pode ser feita em casa, mas seguindo a cartilha de biossegurança que todos receberão com as orientações essenciais."
São João não é só festa, é religiosidade
Atentos às recomendações em relação a não descida dos andores e também à celebração em casa, boa parte dos devotos que participaram do encontro, ressaltou que a fé e religiosidade a São João.
Devota há anos, Joaquina Medeiros Pereira, de 64 anos, disse que desde que a pandemia foi declarada, já tinha decidido não descer com o andor. “O importante é a fé e devoção. Eu já tinha dito que não desceria. De maneira alguma, o importante é rezar, vai na frente do andor e reza. Meu andor já está arrumado desde o dia 13 de maio. Temos que entender que o momento é de não comprometer toda uma situação. Na minha casa apenas eu, meu filho e uma afilhada, vamos estar fazendo a novena”, afirmou Joaquina Medeiros que realiza a festa de São João no bairro Aeroporto.
Com o mesmo pensamento, Maria Divina, moradora no bairro Guatós, também irá acatar a recomendação e apenas fazer a reza em sua casa, mas sem deixar de banhar a imagem a quem tem tanta devoção e agradecimento por graças alcançadas.
“A devoção a São João começou ainda criança, com meu pai. Logo depois da partida dele, dei continuidade à festa. São João representa todas as graças alcançadas. Se não tem descida para o Porto, vou fazer o banho da imagem do santo durante a reza em casa. Temos que ir nos adaptando. É melhor assim, para não termos complicação e que possamos pedir bênçãos, que ele (São João) nos dê a graça de sair dessa situação”, contou Divina ao ressaltar que em sua celebração não terá mais do que 15 pessoas.
Há 56 anos louvando São João, uma tradição enraizada na família e que vem passando de geração para geração, a devota Regina Concha, também vai se adaptar aos tempos de pandemia. “Este ano não vai ser possível descer para o Porto, mas quero ter uma missa e fazer a reza em casa. O momento não representa apenas a festa. Somos devotos, o que tem que prevalecer é a fé, religiosidade. É a fé que nos permite”, afirmou ao Diário Corumbaense.
A devota ainda disse que haverá novena e café da manhã também, tudo dentro das recomendações da Saúde. “À noite vamos fazer a reza, levantar o Mastro. Fazer todo ritual dentro de casa, até mesmo o banho. São João é santo milagroso, sempre na hora que mais precisamos, somos atendidos. É um santo de devoção da família. É tradição de pais para filhos, era da minha avó, passou para minha mãe, depois minha irmã, mas todos partiram, infelizmente, e eu segui com essa tradição e espero que meus filhos, netos possam dar continuidade a devoção”, pediu.
A história
Segundo historiadores, a tradição do Banho de São João foi introduzida na região por volta de 1882. O ato de levar a imagem do santo em procissão ao Porto Geral, uma das referências históricas da cidade, é movido pelas crendices, superstições e fortes emoções. Dizem os mais antigos que o banho renova as forças do santo e abençoa tudo o que se relaciona a água com o homem.
A louvação ao santo tem dois momentos marcantes, durante a procissão pelas ruas da cidade. Ouve-se primeiro a ladainha: “Deus te salve João/Batista sagrado/O teu nascimento/Nos tem alegrado”. Logo, a banda imprime um ritmo carnavalesco e o povo pula de alegria, cantando: “Se São João soubesse que hoje era o seu dia/ Descia do céu à terra/Com prazer e alegria”.
Durante o banho, o povo entra na água, toca a imagem, se percebe a religiosidade dominante. Aos gritos de “Viva São João”, escuta-se batuque da umbanda na beira do rio, anunciando a presença de entidades num grande terreiro. Os pagadores de promessas se ajoelham com emoção e fé fervorosa. O andor retorna para a casa do festeiro, subindo a Ladeira, onde é tradição cumprimentar quem desce, até a madrugada do dia 24.
Anderson Gallo/Arquivo Diário Corumbaense
Pela primeira vez, em mais de 130 anos, banho da imagem de São João não será realizado nas águas do rio Paraguai
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