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Em projeto de pesquisa, professor faz revelações sobre Pedro de Medeiros, o poeta da Cidade Branca

Nelson Urt, especial para o Diário Corumbaense em 21 de Setembro de 2018

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Antes de ser professor, Wandir foi guarda municipal

Há vícios que se traduzem em superação. É o caso do vício do professor Wandir de Mello Junior, de 40 anos. Ele é "viciado" em livros. Desde pequeno. “Eu tive uma professora que me emprestava livros pra levar para casa, meu vício começou ali, aos onze anos”, contou, na sala dos professores do Colégio Objetivo, onde hoje dá aulas. Wandir também é professor da Escola Estrelinha Verde, da rede pública municipal, onde assumiu o cargo neste ano após passar em concurso público.


O saudável vício pela leitura está levando o professor corumbaense até aos mais altos patamares do mundo da literatura. Após se formar em Letras na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e conhecer a professora e escritora Lucilene Machado Garcia, ele decidiu se inscrever no Mestrado de Estudos Fronteiriços em Corumbá. E teve seu pré-projeto aceito no curso de pós-graduação, encaixado como literatura de fronteira.

 

Aconselhado por Lucilene, que hoje é sua orientadora, escolheu como tema a vida e obras do poeta Pedro de Medeiros, nome ilustre da literatura de Corumbá no começo do século XX. Medeiros é autor do poema Lenda Bororo e foi quem cunhou o termo Cidade Branca para Corumbá. “Muita gente o conhece de nome, mas não tem ideia sobre a qualidade de suas obras”, acentuou Wandir. “Muito provavelmente é um projeto inédito em Corumbá”, acrescentou.

 

Casado,com duas filhas de cinco e dez anos, Wandir é um exemplo de superação. Antes dese tornar professor efetivo da rede municipal e ser contratado por uma escola privada de alto nível, vestiu o uniforme da Guarda Municipal durante dez anos,percorrendo as ruas e zelando pela segurança das pessoas e do patrimônio da cidade. Deixou a corporação assim que passou no concurso para professor.

Outro detalhe que chama atenção no seu currículo é que sempre estudou na rede pública. Foi aluno da Escola Estadual Octacílio Faustino da Silva e no terceiro ano, por questões de vagas, transferiu-se para a Escola Estadual Júlia Gonçalves Passarinho (JGP). Dali entrou para o curso de Letras/Inglês da UFMS e se entregou de corpo e alma à literatura. Logo se destacou pelo nível acentuado de leitura, colhendo os frutos da boa base cultivada desde a adolescência, de onde trouxe seu inseparável vício por livros.

 

“Não falem mal da minha escola”

 

Lembra que quando a escola Octacílio recebeu índice baixo no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), colegas e professores universitários não acreditavam que ele tinha suas origens ligadas àquela instituição. “Não falem mal da minha escola, eu dizia, porque sempre me orgulhei das minhas origens”, afirmou. “O fato é que eu sempre quis ser professor e direcionei meus estudos para minha vocação, e isso faz a diferença, porque quem faz Letras apenas porque não passou em outro curso pode se tornar um professor sem motivação”,comentou. “Penso que não é a escola que faz o aluno, mas seu interesse pelo estudo, porque mesmo quem sai da rede pública pode ser bom, sim, em literatura e outras áreas”.


Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Professor teve pré-projeto aceito no curso de pós-graduação, como literatura de fronteira

Lembranças da infância estão sempre associadas aos livros. Wandir conta que nunca lia por obrigação. Lia porque gostava, desde cedo, autores como Machado de Assis,Álvares de Azevedo, José de Alencar, Graciliano Ramos. “Eu acompanhava uma tia que era caseira do Lions e passava os fins de semana no meio dos livros na biblioteca”, lembrou.

 

O interesse pelo Mestrado de Estudos Fronteiriços surgiu por meio da professora Lucilene Machado Garcia, que é doutora em teoria literária e acaba de lançar o livro de crônicas “Os homens não amam as mulheres”, pela Editora Giostri. Ela também escreveu Desertos e outras infinitudes (crônicas), Plântula (poesias), O Gato Pernóstico (infantil), Fioda Saliva (contos), A Terceira Mulher (crônicas) e Biografia de Amores(crônicas), obra vencedora do Prêmio Literário Guavira de 2014. Em 2009, venceu o II Prêmio Internacional Gaetano Scardocchia, na Itália.

 

Poemas e crônicas abordam elite e pobreza

 

Em seu pré-projeto, o professor Wandir de Mello Junior revela um lado pouco conhecido nos poemas e crônicas de Pedro de Medeiros. “Sua obra pode ser considerada ousada pois, apesar de tratarem de temas mais comuns,como amor, amizade e natureza, o autor abordou aspectos como a pobreza dos trabalhadores pantaneiros, a solidão dos pescadores e a miséria das crianças,personagens que circulavam por uma Corumbá sobre a qual a Guerra do Paraguai ainda lançava suas sombras”, descreveu. “Época em que a cidade se dividia entre a oligarquia agropecuária e os cidadãos que faziam destas atividades básicas uma maneira de sustento para suas famílias.


Obras de Medeiros foram publicadas em jornais da época, como A Cidade, Tribuna e Alma da Rua, este fundado pelo próprio poeta. Mais tarde, reunidas no livro Poesias-Crônicas-Comentários,lançado em 1967 pelo filho do autor, Djalma de Medeiros. A obra pode ser consultada na Biblioteca Municipal Lobivar Matos, mantida provisoriamente no prédio do ILA em Corumbá.

 

“Gostei da visão dele sobre os menos abastados, não tinha ideia que havia essa diferença social nos anos 1920”, disse o professor Wandir. “Da mesma forma que ele fala da elite, dos fazendeiros, grandes comerciantes, também aborda os pescadores, crianças de rua, a posição das mulheres, as crianças sem direito a escola, ele tinha esse olhar para os pobres, não era um olhar preconceituoso”.

 

Medeiros nasceu em Corumbá em 1891, era filho do coronel Pedro Paulo de Medeiros, que foi prefeito da cidade, e de Maria Santa Cruz Monteiro. Ele morreu em 1943, aos 52 anos. Sobre o surgimento da cidade, escreveu em Lenda Bororo, de 1967:


E Corumbá surgiu por sobre a terra branca

Na alegria sem par do gentil casario

Entre o verde dos montes, no alto da barranca

Debruçada a sorrir, no espelho do rio 


“A cidade passa a ser vista como uma mulher que sorri debruçada sobre o espelho do rio. A mulher que é vista e que se vê em seu próprio reflexo. Do que se pode depreender, uma cidade narcísica, vaidosa”, definiu a professora e escritora Lucilene Machado.


Comentários:

JOSE ALBERTO PROVENZANO: Pedro de Medeiros é meu bisavô. Pai do meu avô Djalma Alberto de Medeiros que por sua vez é pai da minha mãe Janice de Medeiros Provenzano. Um grande honra para a nossa família tomar conhecimento do trabalho do Prof. Wandir de Mello Junior. Estamos a disposição para ajudar no que for preciso.

Kathia Maria Medeiros de Lima : Pedro de Medeiros é meu avô, muito feliz com o reconhecimento de sua obra. Eu e minha família agradecemos e nos colocamos a disposição.

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