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"O Português são dois..."

Coluna Coisas da Língua, com Rosangela Villa (*) em 02 de Julho de 2021

Caros leitores

Em o “Português são dois...” Novas fronteiras, velhos problemas (2004), a saudosa professora Rosa Virgínia Mattos e Silva discute variação linguística, mudança, norma e a questão do ensino do português no Brasil. A autora observa que, diante da magnitude territorial e da heterogeneidade cultural, social e econômica, frutos de sua história, o Brasil é, por definição, a nação da diversidade em qualquer aspecto que se queira da sua vida social. Nesse sentido, a língua portuguesa no Brasil reflete a  variação cultural própria da nossa sociedade.

Embora, adverte Silva, uma visão redutora insiste na espantosa, notável, esplêndida e apreciável unidade do português do Brasil. Ela também ratifica que a norma idealizada da língua, a partir de modelos literários do passado, se encontra codificada na tradição da gramática pedagógica transmitida no ensino do português. Nessa esteira, a autora alega que os vários anos de escolarização não vêm resolvendo o chamado “domínio da língua portuguesa”, e que essa questão é pedra no sapato dos professores de português, pois a escola brasileira não tem como dar conta da transmissão do padrão linguístico preconizado pela tradição gramatical normativa.

E para aqueles que asseveram o empobrecimento e a decadência da língua, ela alerta que, para além da realidade social do presente, que promove variação linguística, mudanças na língua são decorrentes da história passada e da própria evolução do idioma. Nesse contexto, apresenta o poema Aula de português, de Carlos Drummond de Andrade, de 1920, registrando que naquele tempo já havia inquietude entre língua falada e escrita.

Aula de português

A linguagem

na ponta da língua

tão fácil de falar

e de entender

 

A linguagem

na superfície estrelada das letras

sabe lá o que ela quer dizer?

 

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe

e vai desmatando

o amazonas da minha ignorância.

Figuras de gramática, esquipáticas

atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.

 

Já esqueci a língua em que comia

em que pedia para ir lá fora,

em que levava e dava pontapé

A língua, breve língua entrecortada

do namoro com a prima. 


O português são dois, o outro, mistério. 


Convém destacar, afinal, que o desenvolvimento da linguagem seja oral ou escrita é essencial para alcançar a competência comunicativa. Coisas da língua! Continuaremos esse assunto na próxima edição.  Bom fim de semana.

(*) Rosangela Villa da Silva, Profa. Titular da UFMS, Mestre e Dra. em Linguística pela UNESP, com Pós-Doutorado em Sociolinguística pela Universidade de Coimbra/Portugal.