Da Redação em 21 de Setembro de 2019
Foto: I9 Comunicação
Corumbá é a quarta cidade mais populosa de Mato Grosso do Sul
Corumbá oferece uma saborosa e rica dualidade, tanto na culinária como nos passeios, nos eventos e na cultura. Também na política, com certeza, onde as discussões se polarizam. A cidade parece viver entre o quente e o frio. É ao mesmo tempo provinciana e cosmopolita. Conserva os traços tradicionais do interior, sem nunca abandonar a liberalidade proporcionada por uma cidade portuária. Pequena e grandiosa ao mesmo tempo. Serena no trânsito, mas culturalmente agitada.
É curioso como esse caldo multicultural consegue conquistar as pessoas que aqui chegam. É verdade que muitas trazem na bagagem a ideia “vendida” de que estão pisando numa fronteira dominada pela violência, pelo tráfico de drogas, pela falta de tudo. Ouve até o velho clichê de que somos a terra do “já teve”.
Aos poucos, porém, a cidade responde às dúvidas, preenche os vazios, oferece opções e proporciona escolhas culturais, afetivas, religiosas, políticas, educacionais. Afinal, a cidade somos nós, formadores de opinião, professores, educadores, servidores, técnicos, tecnólogos, poetas, artistas e artesãos.
Dessa forma, quem “comprou” a ideia de uma Corumbá tórrida, distante, isolada, abandonada, vazia, estática, decadente, aos poucos, e com o mínimo de boa vontade, vai reformulando conceitos e preconceitos, quebrando mitos e paradigmas, evitando estereótipos.
Fica claro que podem até vender uma imagem distorcida de uma cidade, mas jamais esconder e apagar a sua verdadeira alma. Pior é que este senso comum é apregoado dentro de casa, por muitos que nasceram e cresceram aqui, mas acabaram “comprando” a ideia estereotipada da cidade parada no meio do nada. Em muitos casos pode se tratar de uma situação de baixa autoestima.
E quando os migrantes, nacionais ou internacionais, vindos de diferentes regiões do País aqui aportam e, com o passar do tempo, conseguem identificar a alma corumbaense, começam enfim a descobrir as qualidades de uma cidade pequena mas cosmopolita, provinciana mas portuária, tradicional mas ao mesmo tempo emancipadora.
Uma cidade que permite a todos fazerem suas próprias escolhas, sem tendências à xenofobia que tanto persegue e aflige os estrangeiros em outras regiões.
Migrantes que aqui chegam e se seduzem pela cidade apontam a segurança para ir e vir, o tempo melhor aproveitado, as ofertas de cursos no ensino superior e o calendário cultural como principais motivações a permanecer na cidade. O Festival América do Sul Pantanal é sempre citado como referência.
Corumbá oferece uma abertura social e um grau de acolhimento que permite ao migrante se adaptar com mais facilidade. É muito saudável perceber que, após algum tempo de convivência, um nordestino, um nortista ou um sulista se sinta incorporado aos costumes e tradições.
O contexto histórico é imprescindível para entender o perfil da Cidade Branca. Muitos desses traços cosmopolitas Corumbá traz do período de ouro pós-guerra da Tríplice Aliança, conhecida como a guerra do Paraguai. Do começo do século até perto de 1930, a cidade se transformou num dos maiores portos fluviais do continente, com um tráfego intenso de navios vindos da Europa trazendo roupas e especiarias, garantindo um enorme fluxo comercial. Período em que a cidade recebeu uma profusão de imigrantes e uma multiplicidade de línguas e costumes europeus dominavam as ruas e o comércio.
Pela hidrovia, Corumbá mantinha suas relações com os países da Bacia do Prata na América do Sul, de onde herdou fortes influências culturais, presentes até hoje, mesmo após a divisão do Estado. Corumbá se identificava demais com a ex-capital do Estado, Cuiabá e com o Paraguai. Na cidade, residem muitos cuiabanos e seus descendentes.
Muitos dos pecuaristas que formaram as fazendas em Corumbá vieram de Cuiabá como fugitivos da perseguição no período das Rusgas, as revoltas contra os portugueses no regime regencial do Brasil. O poeta Manoel de Barros, nascido em Cuiabá, filho de pecuarista, e criado em Corumbá, representa muito bem esse movimento de integração entre as duas cidades.
Era natural o prejuízo econômico e político para Corumbá com a mudança do eixo para a nova capital Campo Grande e a desvinculação forçada de Cuiabá. Mas historiadores da nova geração analisam essa situação como um ciclo, nunca como decadência, como se apregoa no senso comum. Sustentam a tese, como base em projetos de pesquisas no Mestrado em Estudos Fronteiriços, que Corumbá nunca viveu isolada e distante, da mesma forma que nunca se distanciou dos seus valores culturais tradicionais.
Embora se reconheça que houve algumas perdas com o distanciamento de Cuiabá como primeiro impacto da divisão do Estado, aos poucos Corumbá foi retomando a relação com a ex-capital até por força de suas raízes culturais e tradições, mantidas ou resgatadas, como a viola de cocho, o cururu e o siriri, o Banho de São João, as festas de São Pedro, de São Sebastião, de São Benedito, de Cosme e Damião.
A revitalização do Casario do Porto foi um marco no resgate do patrimônio histórico e cultural e ajudou a reforçar os vínculos da cidade com seu passado. Há alguns anos, Corumbá foi incluída no PAC Cidades Históricas, o que proporcionará a restauração de outros imóveis centenários, entre eles o prédio do ILA (Instituto Luiz de Albuquerque).
Corumbá é, portanto, este caldeirão cultural com raízes e influências da sua trajetória cosmopolita e portuária, de sua formação étnica por imigrantes, migrantes, indígenas e afrodescendentes, aberta a religiões católica, evangélica, muçulmana, de matrizes africanas. Campo cultural aberto a pesquisas acadêmicas que buscam desconstruir mitos e formular novas teses para uma melhor compreensão da geopolítica corumbaense.
Quem consegue estudar e entender essa multiplicidade cultural acaba vendo nela uma inequívoca oportunidade para suas escolhas. Para esses privilegiados, Corumbá representa um cenário propício para revoluções pessoais e profissionais. Um campo de sonhos e realizações para muitos que aqui se formaram, constituíram família e uma profissão. Difícil é convencê-los a encontrar um lugar melhor para viver porque, enfim, se sentem em casa.
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