Coluna Coisas da Língua, com Rosangela Villa(*) em 26 de Julho de 2019
Na semana passada tocamos num ponto relevante na formação do nosso mosaico linguístico nacional, que foram as contribuições da língua indígena. Do nosso acervo linguístico, fazem parte também as muitas palavras dos dialetos africanos, que vieram na bagagem cultural dos escravos, e, posteriormente, dos inúmeros empréstimos lexicais trazidos pelos imigrantes nesses 500 anos da nossa história. Entretanto, queremos lembrar que em relação aos idiomas naturais, infelizmente a maioria desapareceu do solo brasileiro, depois de já ter sido supremacia no início da colonização.
Silva (2004) comenta que se pode “admitir, pelos dados da história brasileira, que, durante os dois primeiros séculos de colonização, a língua do colonizador não se impôs como majoritária”, isso porque havia maior população indígena resistente. Mas o inevitável desaparecimento de muitas línguas indígenas veio com a devastação dos índios e o aumento de outros grupos étnicos, conforme diagnóstico demográfico em O português no Brasil, de A. Houaiss (1985:44), ainda em Silva, quando no “século XVI, na extensão ocupada no litoral brasileiro, viviam cerca de 30.000 brancos e mestiços integrados, um ou dois milhões de indígenas (em rápido processo de decréscimo populacional) e cerca de 30.000 negros. Já no século seguinte, a penetração interiorana avançava, a população branca e mestiça integrada subia para 200 mil, a indígena ainda significativa – um milhão e meio de habitantes – e a negra crescia para 400 mil.”
Nesse cenário, a população indígena restante se refugiou no interior do país, levando junto seu idioma e cultura. Dentre as aproximadamente 170 línguas indígenas sobreviventes, destaca-se a variedade crioula chamada de nheengatu, língua vernacular da área do rio Negro, na Amazônia. Tendo sido codificada por Anchieta foi levada da costa brasileira ao Norte no processo missionário. Estudos de Eduardo de Almeida Navarro (2012) comprovam que “No coração da floresta amazônica, na mais preservada de suas regiões, o noroeste do Estado do Amazonas, livre do agronegócio, do garimpo e dos desmatamentos, é falada uma língua que participou intensamente da história da maior região do Brasil.
Trata-se da Língua Geral, também conhecida como Nheengatu ou Tupi Moderno. Diferentemente de outras línguas que se poderiam classificar como línguas étnicas, por serem usadas somente por populações indígenas, a Língua Geral foi ali mais falada que o próprio Português, inclusive por não índios, até o ano de 1877, quando começava o Ciclo da Borracha. Língua-testemunho de um passado em que a Amazônia brasileira alargava seus territórios com o avanço das missões católicas e das tropas de resgate pelos vales dos seus grandes rios, a Língua Geral hoje é falada por mais de seis mil pessoas, num território que se estende pelo Brasil, pela Venezuela e pela Colômbia.” Nessa esteira, a prática de idiomas indígenas em várias regiões do país, incluindo no Mato Grosso do Sul, ainda hoje, torna indelével a figura dos indígenas como os verdadeiros donos da terra e nos faz lembrar de sua importante contribuição ao português falado em nosso território. Até a próxima.
(*) Rosangela Villa é professora associada da UFMS e colaboradora do Diário Corumbaense.