Coluna Coisas da Língua, com Rosangela Villa(*) em 28 de Junho de 2019
É comum as pessoas dizerem garage, onte, home, vage em vez de garagem, ontem, homem, vagem com o m final. É possível encontrarmos explicações para esse fato a partir do latim. Segundo Bagno (2003), várias palavras que hoje escrevemos de um jeito eram grafadas de outro, como, por exemplo: exame já foi examen; nome foi nomen; certame, certamen; estrume, strumen; legume, legumen; volume, volumen; regime, regimen, dentre outras. É bom lembrar que tanto o m como o n servem para nasalizar a vogal que os antecede. Embora algumas palavras conservem duas maneiras de escrita, tais como, abdome/abdômen; cerume/cerúmen; germe/gérmen, as formas com n final praticamente não são usadas nem na linguagem oral nem na escrita.
Constata-se, assim, uma tendência de eliminarmos o som nasal das vogais que estão depois da sílaba tônica (virge/virgem) justamente por ser um traço que desapareceu de muitas palavras. E os vocábulos que ainda conservam no português padrão a letra m é por serem talvez os mais usados: homem, viagem, bobagem etc. Mas como o português padrão não consegue se fazer representar na fala com a mesma forma da escrita, o português não padrão, usado no vernáculo espontaneamente, e mais passível às tendências internas da língua, aplicou o modelo a todas elas. Por isso, não estranhe essas pronúncias: garage, home, bobage, e menos ainda estranhe se no caderno de seu aluno as palavras aparecerem dessa forma, pois trata-se do efeito avassalador que a fala exerce sobre a escrita do aprendiz, quer seja criança ou adulto iniciante.
O jeito é estar atento ao uso desses fenômenos na escrita e saber corrigir com explicações prováveis e com respeito ao aluno. Observa-se que a eliminação do traço nasal após vogal também atingiu os verbos terminados em - am, tais como em, eles cantaram por eles cantaro; eles fizeram por fizero; beberam por bebero. Foi registrado ainda em nomes próprios: Aírton, Nélson, Wílson, Mílton, que, no falar descontraído, são pronunciados Aírto, Nélso, Wílso, Mílto. E com a palavra álbum, que muita gente pronuncia albo.
Essa variação da fala poderá levar à noção de erro na língua, se não compreendermos a real dimensão de cada forma: fala e escrita, e da competência linguística que envolve o falante em ambos os espaços de comunicação. Por fim, é importante reconhecermos que quem diz onte, home, garage, bobage, não está falando errado, já que está respeitando a regra de desnasalização da vogal postônica que é natural da língua. Diante disso, você poderá corrigir o seu aluno com a consciência que estará ensinando uma forma oficial, padrão, culta, conservadora, enquanto as formas não-padrão, populares, são inovadoras e poderão promover mudanças na língua com o passar do tempo. Até a próxima.
(*) Rosangela Villa é professora associada da UFMS e colaboradora do Diário Corumbaense.