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Mato Grosso do Sul tem quase 1 registro por dia de injúria racial

Campo Grande News em 20 de Novembro de 2020

Arquivo pessoal

Silvia é presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB/MS

“Ser preto no Brasil é carregar um carimbo de vulnerabilidade em que as pessoas se acham no direito de julgar você pela cor da pele”, declara a presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) seccional em Mato Grosso do Sul, Silvia Constantino.

Os episódios que chegam a virar boletim de ocorrência mostram isso. É quase 1 um registro por dia.

De acordo com o Anuário de Segurança pública, atualizado em outubro de 2020, com dados de 2019, no ano passado foram registrados 361 casos de injúria racial e 18 casos de racismo em Mato Grosso do Sul.

Qual a diferença? São dois crimes distintos, com penalidades e significados diversos. A injúria racial, com punição entre 1 e 6 meses de reclusão, é quando alguém ofende o outro a partir de suas características de fenótipo, como por exemplo a cor da pele.

O racismo é quando, também por esse motivo, a pessoa é privada do acesso a algo que outros têm. É o caso, por exemplo, de quem perde uma vaga de emprego por ser preto ou é impedido de entrar num restaurante. A pena prevista pela lei brasileira vai de dois a cinco anos. 

O assunto não é novidade e as discussões sobre o tema vem de décadas, mas o evoluir dos anos não diminuiu as estatísticas. Em 2018, por exemplo, foram registrados 60 casos menos que no ano passado.

Este ano, um dos casos de injúria racial é o de uma idosa de 70 anos, moradora do Jardim Morenão, em Campo Grande. Ela  procurou a polícia em fevereiro por ter sido ameaçada de morte pelo fato de ser negra. Na ocasião,  relatou ter sido vítima de uma vizinha. A declaração ouvida foi de que a mulher seria capaz de dar um tiro na vítima porque "odiava preto". 

Neste mês, uma jovem de 19 anos procurou a polícia na Capital depois de receber ameaça de estupro e esquartejamento. Vou te cortar todinha depois de ter te estuprado", disse o autor depois de falar: “Que preta é essa que não tá na escravidão?”.

Arquivo/Campo Grande News

No dia 30 de outubro, manifestação de motoentregadores após colega ser chamado de "preto enrolado"

Em outubro, o motoentregador Edimar Oliver Peres de Souza, de 29 anos,  denunciou cliente ao ser chamado de “preto” e “enrolado”, por causa de atraso na entrega do pedido.

No interior, absurdos também surgem todos os meses. Em setembro, em Anastácio, mulher de 41 anos procurou a polícia após ser chamada de "preta", "macaca" e "galinha preta de macumba". 

Preta, Silvia Constantino sabe como é viver com regras bem particulares quando a cor da pele coloca as pessoas em risco. Mãe de dois adolescentes, as ordens destoam da realidade branca.  "Aqui em casa, por exemplo, é proibido sair de mochila, regata e chinelo. Essas são as formas que a gente vai criando para se proteger”, concluiu.

“O racismo está para todos dentro de uma sociedade formada por mais de 50% de negros, mas que vive resquícios da escravidão. A casa grande e a senzala continuam existindo, só que agora de uma forma mais moderna. Hoje vivemos uma política de ódio das pessoas. As pessoas estão mais intolerantes, não há mais conversa”, comenta Silvia Constantino.

A injúria racial é um crime previsto no artigo 140 do Código Penal Brasileiro no parágrafo 3º como uma forma de injúria qualificada, quando a ofensa atinge a raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência, com pena prevista de 1 a 3 anos de prisão. Mas não se confunde com o racismo, previsto na Lei 7.716 de 2012, crime que atinge o coletivo de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça.

“Nós temos dispositivos legais para enfrentar esses crimes, mas sabemos que sua eficácia é minima. Eu desconheço alguém que esteja preso por ter cometido um crime de racismo ou injúria racial. Isso já demonstra o nosso racismo estrutural. Primeiro porque as leis não são aplicadas e segundo porque temos um sistema judiciário que não tem a sensibilidade de entender que ser chamado de macaco é de fato racismo", desabafou.

Ainda hoje, o medo de "não dar em nada" impede mais denúncias, avalia Silvia. “Algumas pessoas não têm a coragem de denunciar, porque sentem vergonha. Como uma pessoa vai chegar na delegacia e dizer 'me xingaram de preta fedida' ou 'falaram que meu cabelo fede, é Bombril'? Elas se sentem envergonhadas".