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O carnaval e sua miscigenação

Por Victor Raphael (*) em 18 de Fevereiro de 2019

Costumamos dizer que o carnaval reflete a alma do Brasil. E, na verdade, ele realmente tem muito a ver com a identidade da nossa gente. Aqui no Brasil, a construção da nossa identidade gira em torno da miscigenação de três povos principais (os índios, habitantes nativos; os brancos, colonizadores; e por fim, os negros que vieram pela escravidão e lutaram pela liberdade já em solo brasileiro), bem como da incorporação e transformação de suas culturas. No carnaval, não é muito diferente. Trata-se de descendente direto das Bacantes gregas, das Saturnálias e dos Carrus navalis romanos, das festas de alegorias francesas e das máscaras venezianas. E o Brasil tratou de transformar tudo isso em um evento próprio, características próprias, e também uma historia culturalmente riquíssima.

Veio da Metrópole portuguesa a primeira ideia de carnaval... já com o deboche e com a sátira incluídos no pacote. Através do entrudo e da zombaria dos pobres vestidos como nobres e suas “frescuras”, a moda era jogar pastas e líquidos nos transeuntes, ainda que estas “gentilezas” não fossem feitas atendendo certas precauções higiênicas contemporâneas.


Como era de se esperar, a partir da chegada da Corte Real no país, a mudança de hábitos e costumes era uma bandeira. Quem não se habituasse aos novos e requintados hábitos (nem tanto), eram considerados selvagens, ligados a uma ideia de sociedade obsoleta. Foi assim que a elite, a Corte, a nobreza brasileira resolveu introduzir novos meios de se brincar o carnaval... Começando com os bailes de máscaras e com corporações carnavalescas, que desfilavam ordenadamente pelas ruas mostrando toda a sua opulência diante da plateia incrédula formada por gente simples, profissionais liberais, escravos e libertos. Claro que vez ou outra, um limão-de-cheiro (arma carnavalesca da época) era atirado nesses cortejos. Era o povo querendo participar.


Com o tempo, as grandes massas também começaram a se aglutinar e a formar as suas corporações, e cada qual, a sua maneira começou a brincar o carnaval no final do século XIX e início do século XX. As Grandes Sociedades (com alegorias enormes, luxuosas, e tocando cortas-jacas e marchinhas, ainda que embrionárias), os corsos (desfiles suntuosos de carros com a elite jogando confete e serpentina naqueles que acompanhavam a sua passagem, cordões (mais democráticos, com sons mais pesados e bastante euforia) e os blocos (ainda mais democráticos, com cada qual se vestindo como podia e acompanhando bandas que tocavam de tudo, até o samba recém-inventado)... Mas ainda existiam os Ranchos, onde reinava uma certa herança de desafio oriunda dos entrudos e frequentado por gente pobre. Da miscelânea das características de várias destas representações, o povo do bairro do Estácio e dos morros do Rio de Janeiro criariam as escolas de samba, maior representação carnavalesca que se tem notícia. E ela perdura com o samba-enredo, com o girar das baianas e com o bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira, carregando nestes e em tantos outros itens toda a história do carnaval, se apropriando de várias dessas iniciativas que existiram ao longo dos anos.


Na próxima coluna, vamos falar um pouco do nosso carnaval corumbaense e como ele também é um polo de resistência cultural, abrigando diversos momentos da história dessa paixão.

 

Evoé!

 

(*) Victor Raphael é compositor e diretor da Liga Independente das Escolas de Samba de Corumbá.