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Curso para magistrados vai debater principais problemas que impactam a atuação da Justiça nas regiões de fronteira

Leonardo Cabral em 22 de Outubro de 2021

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Juízes Daniel Chiarette e Luiza Vieira Sá de Figueiredo relataram algumas das dificuldades para instruir processos

O curso online “Jurisdição em Fronteira”, realizado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), vai ser realizado no dia 10 de novembro e servirá como preparatório para um Congresso Internacional que ocorrerá em 2022, em Corumbá, destinado a magistrados, principalmente aos que atuam na área de fronteira.

Em entrevista ao Diário Corumbaense, a juíza Luiza Vieira Sá de Figueiredo, da Vara de Fazenda e Registros Públicos de Corumbá, que será responsável por intermediar o debate, disse que a ideia do curso surgiu a partir da necessidade da prática da jurisdição, do dia a dia do trabalho do magistrado.

"Da dificuldade que a gente encontra para instruir processos, localizar pessoas, ter contato com outros órgãos e agências, por exemplo, da execução de uma decisão judicial. Como a gente está em uma fronteira, isso às vezes envolve órgãos internacionais, então, a partir dessa necessidade de articulação para a melhoria da nossa atividade jurisdicional é que foi pensado esse evento que é o congresso internacional, em agosto do ano que vem, aqui em Corumbá, que é uma cidade de fronteira”, falou a magistrada.   

Ela ainda ressaltou que o evento, além da formação da magistratura pretende dar visibilidade para o tema da fronteira no âmbito nacional. “Quem está na fronteira, às vezes, por estar longe dos grandes centros, se sente esquecido, sente que suas demandas não são atendidas pelo poder público, mas muitas demandas chegam para o judiciário na sua função de preservar direitos, restabelecer direitos violados, implementar direitos, se vê diante dessa demanda que é local. A oficina pretende reunir magistrados e magistradas brasileiros e estrangeiros que atuam na região de fronteira, para promover um diagnóstico das principais dificuldades do exercício da jurisdição nessas regiões”, completou. 

Entre os objetivos específicos do curso estão compreender a realidade fronteiriça, não só em sua dimensão jurídica, mas também cultural e social e aplicar o direito de modo a fomentar o alcance dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, expressos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988.

Durante a oficina em novembro, várias pautas serão levantadas com o tema dos trabalhos feitos em regiões de fronteira. “A pauta do congresso do ano que vem vai ser montada de acordo com o que as oficinas levantarem. A oficina estará dividida em Arcos atuantes em pesquisa de fronteira. Algumas demandas vão aparecer em todas elas, como por exemplo, a questão documental. A gente tem também um tema mundial em torno da migração, o que deve aparecer em todos os arcos. Acreditamos que alguns temas fiquem restritos a demandas regionais de cada Arco, como a questão envolvendo o direito indígena, concentrada mais na região Norte, onde se tem uma população bastante grande, mas a ideia é que o congresso do ano que vem seja uma pauta temática, de acordo com os principais temas levantados nessas oficinas junto aos magistrados”, falou a juíza Luiza Vieira Sá de Figueiredo. 

Problemas da região   

Um dos grandes problemas e que será levado para as oficinas, de acordo com a juíza Luiza Vieira Sá de Figueiredo, é a questão de documentação, pois a magistrada atua na Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos da Justiça Estadual.   

“Preciso ter acesso a documentos, tanto brasileiros quanto estrangeiros e eu não tenho essa via, costumo dizer que nunca recebi um ofício-resposta dos Ministérios da Justiça ou das Relações Exteriores, e às vezes, não podemos esperar seis meses, para resposta de uma informação. As partes,  têm suas demandas e essas pessoas que procuram a Vara de Fazenda não têm documento ou muitos precisam ajustar algum documento, para seguir a vida. Então, essa é uma demanda que levarei para a oficina. Agora a realidade, como o judiciário está dividido em Justiças, essa realidade é um pouco diferente da Justiça Federal”, frisou a magistrada.     

Já Daniel Chiarette, juiz Federal substituto em Corumbá, disse que na demanda federal, o que se sente de principal impacto e que pode ser melhorado com essa interlocução institucional é no direto criminal, penal. 

"Nós temos muitos réus, apenados, estrangeiros, bolivianos, a gente tem bastante. O que acontece e que temos dificuldades para esses atos de comunicação processual, ou seja, para entrar em contato, para citar entre outras coisas, e também no cumprimento de pena, muitas vezes não queremos que essa pessoa fique vinculada ao Brasil, pois ele tem outra vida nos país de origem, ou seja, se o crime não foi grave e é possível se articular formas de cumprimento de pena a partir do país dela de origem, por exemplo, se for pagamento de multa, enfim, mas para isso precisamos ter algum tipo de articulação para que a pessoa continue vinculada ao processo. Esse é um tema que para a Justiça Federal é muito caro, mas importante”, pontuou o juiz.     

Ele ainda completou que para a Justiça Federal a questão migratória também é muito relevante. “Recebemos aqui demandas, entre elas, envolvendo população haitiana, porque, a gente sabe, teve recentemente o fechamento de fronteira, mas segue com afrouxamento, mas as demandas vão continuar aparecendo, a demanda migratória é algo que não tem fim. Trabalho com essa questão migratória já vai fazer quase oito anos, e só aumentou desde que comecei a trabalhar tanto na quantidade de demanda como na complexidade. Isso é algo que demanda uma articulação com os países vizinhos, não só porque esses países vizinhos são pontos de onde as pessoas vêm para o Brasil, mas são pontos de passagem, como a Bolívia, essa articulação é importante para pensar como proteger essas pessoas e coibir redes que praticam crimes utilizando dessa população vulnerável. Em Corumbá, por exemplo, já tivemos situação de ‘coiotagem1, enfim, é algo que tem que ser visto pelas autoridades dos dois países”, chamou a atenção o juiz Daniel Chiarette.   

Enfim, nas oficinas em novembro se fará levantamento de quais são esses principais problemas e dividir por áreas de interesse, por exemplo, migração, quais são os problemas que envolvem a migração no judiciário e como é possível articular isso?   

“Na jurisdição estadual, decorrente das migrações, têm surgido situações de crianças e adolescentes desacompanhados que precisam ser acolhidos no Brasil e não têm documentação e não se tem contato com as famílias, e essa tem sido uma situação que tem ganhado bastante relevância, ainda mais nos últimos anos. Então, nas nossas oficinas pretendemos identificar os principais problemas setorizados por matéria, para que possamos no congresso do ano que vem, chamar os interlocutores e tentar estabelecer fluxos de trabalho para resolver esses problemas”, acrescentou a juíza Luiza Vieira Sá de Figueiredo.     

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Advogado José Carlos, representante da OAB, diz que evento é esperança de solução para problemas que existem há muito tempo

Complementando sobre o congresso de 2022, o juiz Daniel Chiarette, disse que a iniciativa vai servir para mapear demandas e “criar canais para que se possa ser formalizado, pois teremos participação do Ministérios das Relações Exteriores, representação do Mercosul, a gente pode criar canais para resolver esses problemas na fronteira”, afirmou. 

“Eventos como esses talvez sejam esperança de solução para problemas que existem há muito tempo e que agora estão sendo enfrentados e, como disse a juíza Luiza, trazer visibilidade é algo que você poderá, junto com autoridades de ambos os países que existem fronteira, buscar essa conversa e solução para esses problemas”, mencionou José Carlos dos Santos, secretário geral da 1ª Subseção da OAB em Corumbá e presidente da Comissão de Relações Internacionais.     

Como participar das oficinas em novembro 

As inscrições para o curso “Jurisdição em Fronteira” voltado para magistrados (as) foram prorrogadas. Agora, os interessados poderão se inscrever até o dia 30 de outubro.   

O Enfam realizará o curso online “Jurisdição em Fronteira”, no dia 10 de novembro, a partir das 09h30. O evento será composto por palestras e oficinas preparatórias para um congresso, que ocorrerá em 2022. 

As inscrições podem ser feitas em https://www.enfam.jus.br/inscricoes/jurisdicao-em-fronteira/.

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