Ricardo Albertoni em 07 de Julho de 2017
O padre Fábio Vieira, pároco da Catedral de Nossa Senhora da Candelária completa nesta sexta-feira, 07 de julho, dez anos de sacerdócio. Precisamente, como ele preferiu ressaltar, no dia 7 do mês 7, às 7 horas - na Bíblia, o sete é considerado o número da perfeição. Tornou-se padre aos 33 anos, o que ele considera ter sido uma ordenação madura. Nesta entrevista ao Diário Corumbaense, padre Fábio contou a sua trajetória antes e depois da vida religiosa, desde quando não queria ser padre até os momentos de angústias e sofrimento vividos durante as missões de maior complexidade.
Anderson Gallo/Diário Corumbaense
Padre Fábio Vieira mostra foto de quando iniciou o sacerdócio
De perfil tradicional, o padre explicou que tem ciência de que sua maneira de lidar com as coisas incomoda algumas pessoas, porém, explica que o fato de ser considerado “radical”, sem concessões para algumas coisas, auxilia o indivíduo a se decidir sobre certas questões, definindo suas ideologias.
Mas, antes de se tornar pároco, das difíceis missões que moldaram a personalidade do religioso, ele precisou aceitar um convite na adolescência. O chamado, feito por um padre na periferia de Fortaleza, onde ele nasceu, não foi prontamente aceito pelo jovem. Também houve resistência na família, que preferia que o garoto seguisse carreiras mais tradicionais, como advogado ou médico.
“Eu tinha os meus 14 anos, e logo que fiz a minha primeira comunhão, um padre muito querido, muito amigo, chamado padre Almeida, que era da minha paróquia, em um bairro bem de periferia na cidade de Fortaleza chegou para mim do nada e me disse que eu seria padre. Nunca tinha passado na minha cabeça ser padre”, lembrou.
Arquivo Pessoal
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Depois de ficar meses “fugindo” do religioso, ele voltou a frequentar as missas. Então, após novo convite, decidiu participar de um encontro vocacional. “Foi um convite tão forte de alguém que eu nunca tinha visto na vida. Ele não desistiu. Certa vez estavam construindo uma capela perto da minha casa em um terreno que a paróquia tinha comprado e durante uma noite ele me viu, me chamou e me perguntou se não queria ir a um encontro vocacional que acontecia aos sábados na igreja Matriz. Resolvi ir para ver se desencanava dessa ideia, o que não aconteceu. Aquilo foi entrando na minha vida, ainda mais observando o zelo e a paixão pela igreja e pelo sacerdócio que o padre Almeida tinha. Era um homem que atraía tantas pessoas para Deus e até hoje eu me pergunto o que esse padre tinha, que fazia dele, como eu costumo dizer 'uma fábrica de padres', por causa de tantas pessoas que ele atraiu para a igreja", lembrou.
Desistência e retorno
Depois da adolescência, já morando em Sorocaba, no interior de São Paulo, com a família, a ligação com Corumbá começou a acontecer. Noviço do então padre Milton Santos, que mais à frente seria bispo de Corumbá, o jovem religioso se dedicou aos estudos e deixou de lado a vida sacerdotal por seis anos. Nesse período, ele se formou em Filosofia, começou a cursar Pedagogia e ingressou na área de educação. Aos 29 anos, tinha desistido de ser padre, mas o telefone tocou.
Do outro lado da linha era o padre Milton, que tinha sido ordenado bispo de Corumbá chamando-o de volta. Mesmo após ter passado em um concurso para assumir a diretoria de uma escola, ele abriu mão de tudo e atendeu ao pedido do então bispo Milton, que chegou a ir buscá-lo em São Paulo. Deixado em Campo Grande para cursar Teologia, ele terminou a faculdade em 2006, porém, o amigo não estava mais na região. Dom Milton foi transferido em 2003 para Cuiabá, e mesmo sem a presença do responsável pela vinda para a região, o seminarista decidiu permanecer.
Com o apoio do padre Genoir Pieta, que assumiu a Diocese temporariamente até a chegada de outro bispo, e de Elizabeth Assad, pessoa importante na vocação do sacerdote, ele continuou. Em 2005, Dom Martinez, atual bispo da Diocese de Corumbá foi nomeado. No ano seguinte, o então seminarista concluiu a faculdade de Teologia e foi ordenado diácono. No dia 07 de julho de 2007, após ter sido ordenado padre para a igreja de Corumbá, ele recebeu a missão de exercer o sacerdócio em Albuquerque.
Albuquerque foi o maior desafio do pároco até hoje
No Distrito distante cerca de 60 quilômetros da área urbana de Corumbá, que tem uma população de pouco mais de 2.400 habitantes, o novo padre enfrentou o maior desafio da vida. A região, que na época enfrentava graves problemas sociais estava distante da fé. Quem no início da vida não queria ser padre, naquele momento, no começo da vida de sacerdote tinha que ser mais do que um líder religioso.
“Hoje eu costumo falar não por vaidade, que existe naquela região, um divisor de águas, antes e depois de mim.Eu acabei sendo não somente um padre que ia cuidar do lado espiritual das pessoas, mas tive que ter ingerência dos problemas sociais. Acabava sendo médico, advogado, juiz. Os problemas eram muito grandes. Falta de assistência médica, problema das estradas, a falta de comida, falta de emprego, tudo”, lembrou o religioso.
Nesse momento, ele teve apoio do Poder Público, na época, durante a primeira gestão do prefeito Ruiter Cunha de Oliveira, amigo pessoal. “Foi justamente nesse momento que eu tive um grande apoio do Ruiter na época que ele olhou pela igreja. Pela amizade que a gente tinha, a Beth estava na assistência social, então conseguimos levar as ações para lá. Levamos tudo que podíamos para as pessoas. O Ruiter nos ajudou até a construir a casa paroquial, as salas para catequese. Houve um olhar para Albuquerque de uma forma mais carinhosa por parte do Poder Público” relatou.
Tantas mudanças no cotidiano das pessoas passaram a incomodar. Como começou a ser a referência na região, envolvendo a comunidade, os jovens dentro dos projetos da igreja, como coral, entre outros, para afastá-los das drogas e prostituição, ele confrontou as estruturas presentes há anos no local. Agredido e ameaçado de morte, conheceu o outro lado do ser humano. “Ali – Albuquerque - eu aprendi que existia a maldade, que alguém poderia me fazer um mal. Fui ameaçado de morte porque bati de frente com as estruturas gritantes que estavam lá e que estavam incomodadas com minha atuação. Eu achava que o bem fosse um desejo coletivo e não é. Existe o mal camuflado de mal. Há coisas que são feitas que você aparentemente percebe que é bom mas na sua intenção não é”, disse.
Anderson Gallo
Após cinco anos, ele saiu de Albuquerque, de onde considera que viveu sua lua de mel e de fel durante o casamento com a Igreja, mas acredita que o trabalho não foi em vão. “Temos que aproveitar as oportunidades, eu estava ali dentro das minhas limitações para tentar ser um sinal na vida das pessoas. Como não fui acolhido em algumas situações decidi partir”, afirmou.
A dura lição aprendida auxiliou a moldar a personalidade do hoje pároco da Catedral. O perfil tradicional, sem “jeitinho”, às vezes incompreendido por alguns, o torna uma figura sem meio termo em relação a assuntos religiosos.
“ As pessoas às vezes querem fazer concessões e certas coisas na vida não se faz concessões, ou é ou não é. Se a pessoa tem tendência a dependência química eu não vou colocá-la no meio de drogados. Não vou dar à ela uma gota de água. A ocasião faz o ladrão. Essa postura de radicalidade a gente tem que ter em certos momentos. O mal se corta pela raiz. Mas tem gente que gosta às vezes de servir à Deus e ao Diabo. É aquela velha história, eu sou católico mas vou ali. Não filho, ou você é católico ou não é. Se faz muita concessão para as coisas, aqui não tem jeitinho”, explicou.
Pároco tem fama de "construtor" e projeta próximos dez anos
O pároco é muito conhecido pelas ações realizadas em prol da comunidade católica, mas na verdade ele explica que a marca de construtor aconteceu mais pela necessidade do que uma opção. Quando retornou a Corumbá ele encontrou os prédios das comunidades necessitando de reforma. Nesse período foi realizada completa reforma da igreja Nossa Senhora Aparecida, construção de salas, salão paroquial e ainda iniciado o projeto da casa do padre que transformará a igreja em paróquia independente da Matriz.
A Caacupê se tornou a primeira igreja de Corumbá climatizada depois de ser totalmente reformada internamente. A comunidade de São Benedito, mesmo que em menor proporção devido ao bom estado de conservação, também recebeu intervenções. Além da luta pela reforma da Catedral de Nossa Senhora da Candelária. Todas as ações foram realizadas com o envolvimento da comunidade. Cada uma das quatro igrejas possui equipe administrativa independente, tem conselho e conta bancária onde são aplicados recursos que são utilizados especificamente para cada prédio em questão.
De acordo com o padre, o trabalho de construção, apesar de desgastante é necessário. Segundo ele, a administração da igreja também parte para o lado de atendimento aos necessitados, porém, isso só será possível em sua plenitude depois que a casa estiver arrumada. “Temos que chegar a um outro passo, que é o atendimento às pessoas. Quando temos espaço, quando eu tiver outras salas, quantos cursos poderemos dar, terceirizar, abrir espaço para atender a comunidade, mas enquanto não tiver estrutura, não temo como” afirmou a este Diário.
Próximos dez anos
O futuro depende muito do presente que tem forte ligação com o passado. O jovem padre é pároco da igreja mais antiga de Mato Grosso do Sul. A Catedral de Nossa Senhora da Candelária é tombada pelo Patrimônio Histórico do Município, foi incluída no PAC das Cidades Históricas, mas sem recursos liberados, as obras, acompanhadas de perto pelo padre, não seguem o ritmo que gostaria.
“A reforma da Catedral é uma bandeira, agora mais do que nunca temos que concluir esse projeto, não podemos deixar nas mãos de outros. Eu penso que temos que sair sempre melhores do que entramos em um lugar. Não sou eterno aqui e por isso quero fazer o meu melhor nessa paróquia, acho que estou fazendo. Quero consolidar algumas coisas, encerrar e fechar os ciclos”, afirmou o religioso, que acrescentou que talvez daqui seis anos siga para temporada de estudos na Europa.
Lamentando o distanciamento das pessoas em relação aos padres, Fábio Vieira destaca que talvez isso se deva aos rótulos. “O grande problema de ser padre é que às vezes as pessoas nos veem como extraterrestres. Como alguém que não come, não tem as necessidades fisiológicas, não dorme. A humanidade está do mesmo jeito. Vivo a minha humanidade pela opção que eu fiz de uma vocação diferenciada, mas sinto o que todos sentem, porém, canalizo e sublimo para a minha vocação. Tem esse peso que você carrega, que você leva, mas há também muita coisa bacana, muita amizade verdadeira, pessoas que perguntam se está tudo bem, se a gente está precisando de alguma coisa. Há essa proximidade de pessoas dignas de caráter, que compreendem a vocação do padre como um todo”, concluiu ao destacar a ação de Deus sobre sua vida que o trouxe para um lugar até então desconhecido e que hoje possui grande importância em sua formação como sacerdote.
Luzia Xavier: Pe Fábio é Maravilhoso. Que Deus e Ns o abençoe, que ele continue nessa Divina missão de levar as almas para Deus
Altair Andrade : Reportagem maravilhosa sobre este homem abençoado, que Deus continue abençoando a todos
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