Por Ricardo Ayache (*) em 20 de Dezembro de 2016
Foi aprovada pelo Senado Federal a PEC 55, que limita os gastos da administração pública no Brasil por 20 anos. Num período de grave recessão econômica, obviamente ajustes precisam ser feitos para que a economia comece a responder positivamente. A arrecadação cai drasticamente nesses períodos, se o governo não racionaliza seus gastos os efeitos perversos sobre a economia podem significar graves problemas para a administração.
Entretanto, o governo pouco ouviu a sociedade ao elaborar as medidas. Não é aceitável que os direitos fundamentais garantidos pela Constituição de 1988 em relação à saúde e educação, só para citarmos os exemplos mais graves, sejam postos em risco. Em momentos graves da vida nacional como o que atravessamos, é fundamental que as soluções sejam buscadas e pactuadas de forma harmônica e em conjunto com a sociedade. Vivemos uma crise de representatividade e a população não aceita mais que decisões que a atingem diretamente sejam tomadas sem amplo debate. Isso torna discutível até a exequibilidade dessas medidas, ainda mais se levarmos em conta a sua duração de 20 anos. São medidas que vão afetar as próximas gerações e algumas delas erram gravemente em conceito e aplicação.
Vejamos a questão da saúde. Não há dúvidas da necessidade de que se faça um esforço para racionalizar os gastos do setor. A saúde pública no Brasil, em que pese tenha avançado nos últimos anos, ainda carece de gestão mais eficiente. São inúmeros os gargalos enfrentados pelo SUS, mas o que mais fortemente impacta no quadro de insatisfação da sociedade com os serviços de saúde no país é justamente o sub financiamento do sistema.
Para termos uma ideia de que os gastos públicos em saúde no Brasil são inferiores aos necessários para o seu bom financiamento podemos fazer a comparação com outros países em que o sistema funciona de forma muito mais eficiente. O Brasil investiu no ano de 2012, 4,32% do PIB em saúde pública. Para efeito de comparação temos Cuba, com 10,32%, Holanda com 9,93%, França com 9,04% e Estados Unidos com 8,31%. Mas não são só países desenvolvidos ou com forte investimento em saúde que estão à nossa frente. O Brasil ocupa a 73ª posição desse ranking, elaborado pelo Banco Mundial.
Com a PEC, esse quadro tende a se agravar, já que determina a utilização da variação do IPCA como parâmetro para os futuros orçamentos do setor. Os índices de inflação médica são muito superiores àqueles registrados pelo IPCA. No ano de 2015, houve crescimento de 19,3% nos custos com atendimentos médicos na comparação com o ano anterior, de acordo com o índice de Variação de Custos Médico-Hospitalares (VCMH), medido pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), enquanto isso o IPCA ficou em 10,67%. Se projetarmos esse número para mais alguns anos, uma conta fácil nos leva a prever o total sucateamento da saúde no país.
Racionalizar os gastos, com cortes em cargos comissionados em todas as esferas de governo, um planejamento tributário mais justo e combate à sonegação no sistema, talvez fossem mais eficientes do que os cortes propostos pela PEC. Fundamental ainda, aumentar os investimentos em educação de modo a melhorar a produtividade no trabalho, a desburocratização da atividade econômica, a redução dos custos de logística, a simplificação da tributação das empresas e, principalmente, uma ampla reforma política que combata a corrupção eleitoral e aproxime a população das discussões sobre os rumos do país. Essas medidas seriam mais eficazes para a retomada do crescimento econômico sustentável.
(*) Ricardo Ayache é médico cardiologista e presidente da CASSEMS.