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Liberdade provisória de acusado de matar guarda municipal gera revolta de familiares

Lívia Gaertner em 25 de Setembro de 2017

Familiares do guarda municipal Carlos Henrique Freitas Silva, de 38 anos, assassinado a tiros na madrugada da quinta-feira, 21 de setembro, se mobilizam para reverter uma situação que, segundo eles, vem somando um sentimento de revolta à recente dor da perda. A notícia da liberdade provisória concedida ao acusado do crime, André Luis Lima Sigarini, de 37 anos, preso momentos depois do homicídio pela Polícia Militar, com apoio da Guarda Municipal, na casa dele, no bairro Cristo Redentor, chegou aos familiares e amigos quando ainda velavam Carlos Henrique.

“Estava aqui ainda velando meu filho e veio alguém nos dizer que ele (acusado) já estava solto. Me perguntei: ‘Que lei é essa? Que Justiça é essa?’ O juiz vem dizer que o crime que tirou a vida do meu filho é simples. Quer dizer que a vida do meu filho não vale nada? Soltou o assassino porque não tem necessidade de ir preso? Eu pergunto: que crime é que tem que ir preso?”, desabafou ao Diário Corumbaense dona Valdete Freitas da Silva, mãe do guarda municipal.

Para ela, a liberdade do acusado de matar o filho, mesmo que provisória, gera uma sensação de falta de Justiça que afronta a memória do guarda que atuou por 13 anos na Guarda Municipal e, segundo ela, era uma pessoa de bem. “É uma questão de honra e Justiça. Ele preso não traz a vida de meu filho de volta, mas a gente quer a Justiça, que seja preso. Ele era um homem tranquilo, chegava do trabalho, tomava o banho e ficava com a gente. Era um bom filho e acredito que ele está em um bom lugar”, disse na intenção de amenizar a dor.

Fotos: Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Valdete Freitas da Silva, mãe da vítima, diz que liberdade do acusado traz sensação de falta de Justiça

Ainda bastante emocionada ao lembrar o irmão, Elen Valéria afirma que a liberdade do acusado traz ainda insegurança para a família. Ela afirma que, desde que ganhou as ruas, o homem que confessou ter tirado a vida do irmão dela, vem passando constantemente pela rua onde a família mora. “Ele está passando com o carro aqui na frente, vizinhos viram também. Nunca mais a gente vai ver o meu irmão, e esse bandido aí solto? Você não imagina a dor que a gente passa. É como se a gente que tivesse cometido um crime e tivesse que pagar por ele, vendo o homem nas ruas aí, principalmente, aqui na de casa”, afirmou.

A família esteve na manhã desta segunda-feira, 25 de setembro, na sede do Ministério Público Estadual para solicitar recurso contra a decisão que deu a liberdade provisória ao acusado.

Carlos Henrique Freitas Silva, tinha 38 anos, e há 12 anos atuava como guarda municipal

Até agora, o motivo do crime não foi esclarecido. Há uma versão de que dois anos atrás, quando a vítima atuava no setor de trânsito da Guarda, Carlos Henrique teria se desentendido com André Luis Sigarini por causa de uma multa de trânsito e teria sofrido ameaça.

O delegado que lavrou o flagrante, Rodrigo Blonkowski, informou a este Diário que André não mencionou essa informação no depoimento. Ele alegou que se desentendeu com a vítima no banheiro do bar, depois de um esbarrão e que Carlos Henrique teria puxado uma faca para atingi-lo. Foi quando sacou a arma e baleou a vítima duas vezes. O acusado também disse que passou a noite de quarta e a madrugada de quinta bebendo, e que estava embriagado quando houve o crime. O caso segue em investigação pelas equipes da Polícia Civil, que também apura outra informação para o crime.

Decisão foi extremamente técnica, diz presidente da Associação dos Magistrados

O Diário Corumbaense entrou em contato com Maurício Cleber Miglioranzi, juiz de plantão que determinou a liberdade provisória de André Luis Sigarini, mas foi informado que, pelas premissas do cargo, o magistrado não poderia comentar sobre ação em curso. Dessa forma, a reportagem procurou a entidade que representa a classe, a AMAMSUL - Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul, sediada em Campo Grande.

O presidente da Associação, Fernando Cury, esclareceu que, apesar de gerar toda essa repercussão, a decisão do magistrado de Corumbá é extremamente técnica e respaldada por instrumentos legais. “A família não concordar com a situação é algo completamente normal, aceitável. O que não podemos querer instalar é um clima de insegurança, instabilidade por conta de uma decisão provisória. A decisão do Maurício foi baseada em alguns entendimentos, inclusive de tribunais superiores, e na própria Constituição Federal como o princípio da presunção da inocência”, declarou ao lembrar que nosso sistema judiciário prevê, por ritos específicos, a possibilidade de recorrer.

“A decisão pode ser questionada pelos meios que o Código de Processo Civil prevê para isso. Há a possibilidade do juiz titular poder entender diferente por se tratar de um crime que gerou muita comoção na sociedade e reformar a decisão, essa que foi a primeira, em princípio. Se caísse na mão de outro juiz podia decidir pela prisão. Isso significa que um está certo e outro errado? Não, se tiver bem fundamentado e nas provas dos autos e na legislação”, disse ao reforçar. “A decisão foi tomada com base em critérios que a lei estabelece e também em acordo com os tribunais superiores. A decisão é muito técnica, discordar dela é perfeitamente aceitável, é o direito que uma sociedade tem, agora questionar a legalidade de uma decisão, é isso, que, na minha opinião, é errado”, ponderou a este Diário.

André Luis Lima Sigarini, de 37 anos, foi solto no mesmo dia do crime; juiz alegou em decisão, entre outros pontos, que ele não possuía antecedentes criminais

O representante dos magistrados no Estado explica que decisões como a relatada nesta matéria são mais comuns em grandes comarcas e exemplificou o caso de um policial rodoviário federal que matou um empresário durante uma briga de trânsito em Campo Grande. Apesar da comoção causada pelo crime, o acusado aguarda em liberdade o julgamento.

“O homicídio é um crime que, muito embora, o efeito seja o mais nefasto, que é a perda da vida, é um crime que também está muito próximo a um cidadão do bem, por isso que a legislação prevê esses casos. Quem vai julgar é a própria sociedade, nesse caso, de Corumbá, quem vai dizer se esse cidadão vai ser condenado ou não é um júri popular. Essa decisão nem cabe ao juiz, mas à própria sociedade”, lembrou.

A Amamsul também enviou à redação do Diário Corumbaense a seguinte nota oficial:

A AMAMSUL - Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul, através da presente, manifesta seu total apoio e confiança na atuação profissional sempre serena, firme e sob o crivo da lei do magistrado Mauricio Cleber Miglioranzi Santos. Especificamente sobre a decisão que deliberou pela concessão da liberdade provisória a A.L.L.S., autuado em flagrante pela prática, em tese, do crime de homicídio, no curso do plantão judicial do último final de semana, na cidade de Corumbá, a AMAMSUL esclarece que a mesma foi tomada com amparo na lei e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tratando-se de um pronunciamento judicial sereno, prudente e com base nos princípios da presunção de inocência e do devido processo legal. Nesse sentido, a justiça sul-mato-grossense reafirma seu compromisso com a apuração firme e ágil dos fatos, e, observado o devido processo legal, com a aplicação da lei da forma como determina o ordenamento jurídico, tanto é que no último relatório do "Justiça em números", pulicado pelo CNJ - Conselho Nacional de Justiça, o TJMS foi reconhecido como o Tribunal que, proporcionalmente, mais julga crime de competência do Tribunal do Júri no país.