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Flexibilização da terceirização diminuirá salário do trabalhador, avalia economista

Caline Galvão em 27 de Março de 2017

Na quarta-feira da semana passada, 22 de março, foi aprovado pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.302/1998 que libera a terceirização para todas as atividades das empresas, liberação válida também para a administração pública. O projeto já havia sido aprovado no Senado anteriormente, porém, Projeto de Lei Complementar (PLC) 30/2015, proposta mais atualizada que também visa a regulamentar o trabalho terceirizado, está em fase de debate nas comissões no Senado. A proposta ainda precisa ser sancionada pelo presidente Michel Temer.  

No entanto, o projeto divide opiniões e não foi fácil sua aprovação na Câmara. De acordo com informações da Agência Brasil, deputados contra a proposta afirmaram que a lei poderá levar os empresários a trocar contratos permanentes por temporários, precarizando os serviços e negando direitos aos trabalhadores como férias e licença-maternidade. Já outros deputados defenderam o projeto entendendo que ele poderá ajudar a aquecer a economia, gerando novos empregos, alegando também que o texto não prevê a retirada de nenhum direito do trabalhador.

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), que representa cerca de 4 mil juízes do trabalho, lamentou a aprovação do projeto de lei e pede o veto do presidente. Na avaliação da entidade, a proposta vai acarretar em redução de salários e em piores condições de trabalho. Órgãos como Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Nova Central e pela Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) são contra a terceirização do trabalho.

Já entidades patronais como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a própria Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso do Sul (Fiems) são favoráveis ao projeto e enxergam a proposta como modernização do trabalho. “Ninguém está falando em acabar com a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). É falácia essa conversa de que teremos perda para os trabalhadores. Aliás, os direitos para os contratos dessa forma estão assegurados de dois lados, tanto para quem contrata, quanto para quem é contratado. Ambos terão os direitos assegurados. Eu não vejo nenhum direito do trabalhador sendo colocado em risco”, garantiu Sérgio Longen, presidente da Fiems.

Projeto beneficiará apenas o empresário a curto e longo prazo

Para o economista Raul Assef Castelão, a terceirização vai gerar prejuízos para o trabalhador. Ele explicou ao Diário Corumbaense que esse processo já se arrasta há vinte anos, surgiu na década de 1990, e o contexto daquele momento não é o contexto de hoje. Naquela época, a economia brasileira passava por um processo de abertura e o País tinha que fazer frente aos produtos de todo o mundo. Além disso, a flexibilização trabalhista era uma das premissas para que isso pudesse acontecer. Hoje, o cenário é outro, pois o Brasil já está no processo de globalização muito acentuado, inclusive Corumbá está há muito tempo dentro desse processo.

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Para economista, haverá achatamento do salário para algumas funções que deverão ser substituídas pelos trabalhadores terceirizados

“Para a gente saber para quem vai ser direcionado o custo-benefício, em um curto prazo, o que eu vejo é que vai ser um benefício para o empresário e um custo para o trabalhador”, avaliou o economista. De acordo com ele, existe estudo do Dieese que afirma que, em média, o salário de um trabalhador terceirizado é 24% menor do que aquele que não é, além disso, o terceirizado trabalha três horas a mais. Para ele, haverá achatamento do salário para algumas funções que deverão ser substituídas pelos trabalhadores terceirizados. Isso será um benefício para o empresário que conseguirá reduzir custos.

Já para o trabalhador, as consequência dessa terceirização a curto prazo é que, além da diminuição salarial, a rotatividade dele será maior no mercado de trabalho. “Algumas atividades vão ser alteradas quase instantaneamente. Operadores de caixa, pessoas que trabalham com promoções de vendas, essas ocupações que possuem maior tendência à terceirização vão aumentar a rotatividade, algo que vai repercutir, por exemplo, em recebimento de décimo terceiro, férias e outros benefícios. Se você trabalha dois meses, você vai receber apenas dois avos de suas férias, dois avos do décimo terceiro e assim sucessivamente”, explicou Raul Castelão.

O economista preferiu não comentar sobre as consequências da decisão a médio prazo, porém, opinou sobre o que poderá acontecer a longo prazo. “A experiência que nós temos lido sobre países que adotaram essa técnica é que no curto prazo foi um processo doloroso para o trabalhador e algumas empresas não souberam aproveitar isso. Pelo Brasil possuir características muito diferentes que os países que a maioria está comparando agora, países da Europa, da América do Norte, eu particularmente não gosto de fazer essas comparações porque tem país de lá que é quase um Estado nosso, então, nesses países, a longo prazo, isso também vai acarretar em perda para o trabalhador e em benefício para o empresário”, afirmou Castelão.

Segundo ele, os empresários têm defendido o PL afirmando que a terceirização poderá gerar mais empregos, o que é óbvio por causa da rotatividade que vai aumentar. Mas, o economista frisou que o trabalhador poderá até ter uma oportunidade, porém, com um salário menor.

Com relação aos direitos do trabalhador

De acordo com o economista, esse processo não vai diminuir a influência da CLT. Se a terceirizada faltar em algum momento com suas responsabilidades, a empresa contratante é corresponsável, o que na verdade já existe na lei. “O perigo maior não é tanto com relação às leis trabalhistas, mas com relação a salário e produtividade. Salário por causa da diminuição, e a produtividade porque a pessoa vai ter que trabalhar horas a mais a qualquer custo. Por exemplo, se eu me nego a trabalhar por oito horas diárias e tem a possibilidade da terceirização, é óbvio que eles vão contratar uma empresa terceirizada para fazer o que faço hoje e ainda vão falar para o trabalhador que ele vai ter que trabalhar por seis horas e fazer a mesma quantidade de serviço. Quem está sem emprego não vai falar ‘não’ nunca”, exemplificou Raul Castelão.

O economista defende uma reforma no processo de trabalho no Brasil. Para ele, há outros mecanismos para que tanto trabalhadores quanto empresários sejam beneficiados. Uma das alternativas seria a flexibilização da carga-horária. “Em todos os países que adotaram a tática existem evidências muito robustas que foram muito favoráveis para a empresa e para o trabalhador. Não houve alteração salarial e a produtividade aumentou. A produtividade que, inclusive, é um gargalo nosso nos últimos dez anos. Se aumenta a flexibilidade, respeitando acordos de sindicatos e representações de classe com as empresas, eu posso optar por trabalhar trinta horas e não quarenta, não havendo necessidade de diminuição salarial, e vai forçar a produtividade aumentar”, explicou Castelão.

Outra forma de proteger o salário do trabalhador seria através da teoria do salário equânime. “Já existem várias decisões equiparando o salário do terceirizado ao salário da categoria, aí pode ser que não tenhamos um efeito tão ruim em se tratando de salário para o trabalhador”, acredita o economista. Entretanto, ele destacou que profissões que não têm representatividade forte podem sofrer as consequências dessa terceirização, mesmo com a prerrogativa do salário equânime, a não ser que o salário desses trabalhadores seja estabelecido pela média de mercado.

A sanção presidencial poderá afetar diretamente a economia de Corumbá

De acordo com os últimos dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), dos 16.894 postos de trabalho ativos no final de 2015 em Corumbá, aproximadamente 6% eram vinculados à terceirização. Na visão do economista, essa tanto é uma notícia boa quanto ruim. “É bom porque poderemos ter uma ampliação disso em níveis considerados bons, mas é ruim porque com essa possibilidade da flexibilização, nós podemos inverter essa ordem. Ao invés de termos apenas 6%, esse número pode aumentar para 50% ou 60% e, então, aquela taxa de rotatividade do nosso município que é de aproximadamente 29% com certeza vai aumentar. A primeira repercussão disso é a alta taxa de rotatividade, ou seja, pessoas entrando e saindo de empregos, o salário vai achatar porque quando você aumenta a oferta, a remuneração cai. Teremos algumas dificuldades aqui em Corumbá caso isso se torne uma realidade”, finalizou Raul Castelão.

 

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