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Leia artigo: Corumbá do amor, de Marco Aurélio Machado de Oliveira

Fonte: Marco Aurélio Machado de Oliveira* em 21 de Setembro de 2012

Certa vez, na mesa de um bar, companhias suaves me inqueriram: o que você pensa sobre Corumbá? Respondi afoito: como posso pensar sobre o que amo? Imediatamente, duas lindas moças, as mais suaves da mesa, Fernanda e Fúlvia, me desafiaram: escreva sobre esse amor, então! Aqui estou sanando uma dívida, com receios adolescentes de não conseguir expressar tudo o que sinto.

Sócrates, o filósofo, afirmava que amamos aquilo que nos falta. Assim, tentarei falar de Corumbá sobre aquilo que me enfeitiça e encanta, que me reduz e engrandece. Falarei da cidade, portanto, e um pouco de mim, escondido diante da grandeza de um lugar que, teimosamente, aceita seus apelidos mais negativos.

Corumbá me revelou provinciano, logo ela tão cosmopolita. Tão generosa com seus estrangeiros e brasileiros de toda ordem e lugares, tão dócil com seus políticos, tão atenta e desatenta com suas mulheres. Parturiente de lugares tão sinuosos, como o seu Centro, tão abandonados, como sua Cacimba da Saúde, e tão interrogativos, como sua fronteira, Corumbá não cessa de parir. E continua parindo os sonhos e os infernos que saem das bocas de pessoas de suas periferias e das pessoas das bocas de todos os lugares, aliás, local vivo de poesia e violência, continua parindo, ainda, afetos e intolerâncias proferidos por homens de juízos irreais, de sobrenomes robustos. Por isso a amo, pois aqui encontro a dialética mais-que-perfeita: aquilo que está escancarado se oculta.

Cidade libertária dos costumes, em cujas veias correm o sangue do moralismo, assinala uma epígrafe sexual contundente e discreta. Pessoas carentes trafegam em meio a festas, nas quais se realizam e se permitem. Pessoas felizes se retraem perante as alternativas. Corumbá desconcerta a inteligência, ativa as emoções e impõe seus silêncios. Nada melhor do que viver em uma cidade em que tudo se mostra igual e diferente nos mesmos instantes, basta olhar pro seu Porto e pros seus morros, eróticos e entediantes, desafiadores e sedentários.

Se Fernando Pessoa tivesse vivido aqui beberia com Dali, comporia com Guimarães Rosa. Corumbá não apenas não é pequena, é muito grande, e essa verdade fere o narcisismo de todo Mato Grosso do Sul, talvez, por isso, tão amada e tão invejada.

Essa cidade, assim como as mulheres, me desafia.

*Marco Aurélio Machado de Oliveira é professor do Campus do Pantanal da UFMS.