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Curiosidades da tradução 2

Coluna English Corner, com Regina Baruki e Naudir Carvalho em 07 de Agosto de 2020

Em aulas de língua inglesa, muitos de nós, professores, tivemos que esclarecer que a palavra niece – que em português significa ‘sobrinha’ – não se pronuncia ‘nais’ – pronúncia que, em língua inglesa, seria o equivalente à palavra nice (agradável, legal). Por um som diferente, uma palavra pode mudar totalmente de sentido. As palavras que são distintas por apenas um som são chamadas de pares mínimos. Entre tell e sell, temos apenas a diferença de um som, que estabelece a linha tênue entre ‘dizer’ e ‘vender’. Muitas pessoas se complicam quando o som não existe em sua língua. Para os brasileiros, por exemplo, as duas pronúncias do th do inglês costumam causar confusão, pois nenhuma delas existe em nossa língua. Aí adaptamos e falamos “tank you”, ao invés de “thank you”, “I sink”, em vez de “I think”, e “day are”, quando pretendíamos dizer “they are”, e por aí vai...

Também existem aquelas palavras que soam exatamente igual, como no caso brasileiro de ‘cela’ e ‘sela’. Mas isso fica para outra vez.

Há palavras tão parecidas que, em algumas situações, confundem até mesmo o mais hábil dos tradutores. É o caso da diferença entre ‘sobrinha’ e ‘joelhos’ – niece e knees, em inglês – que diferem apenas pelo som de s e de z no final das palavras. Na versão de fita cassete do filme Agnes de Deus, ‘a sobrinha’ se transforma em ‘os joelhos’. Não por uma questão de metonímia – onde a parte do seu corpo representaria o seu todo – ou uma metáfora – na qual o joelho simbolizaria a sua figura – mas por um desvio de tradução. A história perde todo o sentido, o espectador fica totalmente perdido, quando lê ‘joelhos’ na legenda. Não há nenhuma relação com a trama!

O tradutor deve prestar atenção ao enredo, e não confiar apenas em seu ouvido. Por isso, em um processo de tradução mais cuidadoso, consulta-se o roteiro original e se revisa a legenda, para que desvios assim não ocorram. “Seus joelhos! Por que você não me falou nada sobre os seus joelhos?”, lê-se na legenda. Toda a carga dramática da psiquiatra escandalizada pela descoberta de que a madre do convento era tia da freira vai pelo ralo. Vira riso para quem entende o que ocorreu e confusão para quem depende da legenda. A tradução não é um mero suporte. É uma ponte que une uma língua a outra.

Há inúmeros exemplos de confusões do tipo ‘joelhos’ e ‘sobrinha’. E de boca em boca, história em história, a ‘sobrinha’ também pode virar ‘agradável’ – “Your nice”! – para aquele que não conhece a pronúncia correta. A tradução é um outro texto, separado do original, mas ela não pode ter a alteridade – deve ser sempre imparcial e transmitir aquilo que a obra original tem a intenção de passar. Às vezes, são necessárias adaptações. Daí a exigência de tradutores bem qualificados, conhecedores e estudiosos das línguas envolvidas em seu trabalho.


Regina Baruki-Fonseca é professora do Curso de Letras do CPAN. Tem Mestrado em Língua Inglesa pela UFRJ e Doutorado em Educação pela UFMS. 

Naudir Ney Carvalho da Silva é acadêmico do Curso de Letras Português/Inglês do CPAN.