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Curiosidades da tradução 1

Coluna English Corner, com Regina Baruki e Naudir Carvalho em 28 de Julho de 2020

Assistir a filmes legendados é um hábito muito comum ao público brasileiro, especialmente àqueles que preferem ter um contato com o áudio original. As justificativas são muitas. Algumas razões que acabam tornando o formato preferível seriam: a diferença da entonação, o fato de que algumas ideias não são claramente expressas na tradução de uma língua para outra, o desejo de aprender um novo idioma, e a predileção por ouvir a voz do seu ator ou da sua atriz, sem dublagem.

Hoje, na chamada era do streaming, temos acesso a diferentes faixas de áudio e opções de legenda. Todavia, tempos atrás, na época das locadoras, era comum que se escolhesse uma cópia dublada ou legendada do filme, dadas as limitações do formato de videocassete. Títulos populares costumavam estar disponíveis em ambas versões. Não eram raras as cópias piratas que circulavam entre amigos. Isso ocasionava dublagens e legendagens feitas às pressas, nem sempre com cuidados especiais ou conhecimentos específicos. Às vezes, o que víamos na tela não condizia com o texto falado ou legendado em português.


Atualmente, a competição instalada no ramo de atividade e a agilidade imposta ainda proporcionam episódios desse tipo. Uma fita de vídeo muito popular foi a animação Toy Story 2, lançada em meados dos anos 2000. Por ser um filme infantil, a maioria das pessoas selecionou a cópia dublada. Todavia, quem assistiu à versão legendada percebeu uma adaptação no texto. Ao falar sobre a vida tranquila que aguardava o boneco Woody no acampamento de verão ao qual iria com Andy, sua criança, Buzz Lightyear fala sobre como ele logo estaria no acampamento comendo ‘sambuíches’. Ele é corrigido por Woody: “É sanduíche, Buzz”. Esse diálogo foi readaptado. No original, há uma referência aos smores: marshmallows tostados, colocados entre dois biscoitos e uma barra de chocolate.


Além de traduzir o texto original, uma das funções da legenda é melhor adaptar elementos que normalmente não se traduzem. Nesse caso, uma criança brasileira dos anos 2000 provavelmente não entenderia que se tratava de marshmallows, um doce branco similar à nossa maria-mole, a não ser que estivesse familiarizado com o doce através de outras produções em que esse hábito também é mostrado. Logo, o ato de queimar marshmallows em um palito se perde na tradução – ele vira um sanduíche, mais comum e genérico para a realidade nacional. Tampouco haveria um nome brasileiro para os smores, que se perdem na tradução devido à transição de uma cultura para a outra.


Nos Estados Unidos, são comuns os acampamentos de verão. Trata-se de um espaço no qual os jovens podem se instalar em um lugar mais próximo à natureza, fugindo da vida urbana durante o período de férias e sendo agraciados por atividades ao ar livre. Isso também é comum à cultura brasileira, especialmente em cidades pequenas e mais tradicionais. Em Corumbá, são comuns as viagens para a pesca, as idas ao sítio, até mesmo uma visita ao porto, para um breve escapismo da vida cotidiana. Um contato maior com a natureza. Não é tão comum para a nossa realidade montar barracas – recorremos à nossa rede (aqui, traduzida para o inglês: hammock, não a web das aranhas), amarrada em algum tronco de árvore.


No Brasil, não queimamos marshmallows em fogueiras, mas preparamos peixe recém-pescado. Não é praxe contarmos histórias de horror, mas gostamos de ouvir ‘causos’ de parentes mais velhos. Dividimos o tereré – que não possui uma tradução para a língua inglesa. Logo, caso fosse um diálogo como o de Buzz e Woody, e Andy fosse um menino corumbaense, a frase “Vocês em breve vão tomar um tereré” teria que incluir, na dublagem ou na legenda, alguma bebida comum a outras culturas. Talvez no Reino Unido viraria um chá – por ser popular. No sul do nosso país, seria um chimarrão – por ser um nome mais conhecido. Ou talvez, quando o tradutor não desejar um apagamento do item de cultura original, teríamos “a round of tereré”, sem uma tentativa de adaptação cultural. Mas, possivelmente, para os americanos, o nosso hábito de comunidade ao ar livre seria adaptado para os famosos marshmallows na fogueira.


Regina Baruki-Fonseca é professora do Curso de Letras do CPAN. Tem Mestrado em Língua Inglesa pela UFRJ e Doutorado em Educação pela UFMS. 

Naudir Ney Carvalho da Silva é acadêmico do Curso de Letras Português/Inglês do CPAN.