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Antropólogos iniciam pesquisa de campo com festeiros para registro do Banho de São João

Lívia Gaertner em 13 de Abril de 2018

As histórias ligadas à crença e festejos de São João em Corumbá são diversas e carregadas de significados que já foram registrados e pesquisados por diversos grupos e instituições, entretanto na quinta-feira, 12 de abril, foi dado início a um processo importante dentro do planejamento em busca do registro do Banho de São João como patrimônio imaterial do Brasil.

Um grupo de antropólogos e uma fotógrafa, liderados pelo professor Álvaro Banducci, começou uma série de entrevistas com os festeiros do mais expressivo santo junino da região. Luciana Scanoni, Edivânia Freitas e Alyson Matheus pretendem visitar um significativo número de festeiros, durante várias etapas dos festejos, desde a preparação até o momento posterior.

Fotos: Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Equipe busca aprofundar pesquisas sobre os festejos de São João para preparação de dossiê

A metodologia usada pelos antropólogos busca coletar bem mais que histórias, uma série de informações valiosas para a elaboração do dossiê, documento que vai respaldar o pedido de registro do bem (Banho de São João) como patrimônio imaterial junto ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que, aliás, é um antigo desejo da comunidade festeira do município de Corumbá, estendendo-se ao vizinho Ladário, onde a manifestação também é registrada.

“Vamos pegar novos dados, porém com um caráter antropológico, um método próprio da Antropologia, que chamamos de etnografia, que não é apenas captar as informações, o festeiro contar como ele faz a festa, mas trazer todas as nuances que a gente tem que descobrir que está além da fala, que tem a ver com uma postura corporal, um gesto, um afeto, sentimento”, disse.

“A gente tem que perceber como o festeiro ou participante se relaciona com essa festa, com esse santo, com as pessoas que vêm à casa dele. Por exemplo, às vezes, a gente faz uma pergunta para a pessoa e ela não responde, porém a resposta está no silêncio dela, o silêncio diz muito, a maneira como ela respira, ela reflete sobre aquilo, as pausas. Tudo isso a gente observa e entra nesse processo, então não é apenas chegar e escutar uma história, desligar o gravador e ir embora”, explicou Luciana Scanoni ao Diário Corumbaense quando falou sobre a metodologia utilizada no trabalho.

Acompanha o grupo, a fotógrafa Vânia Jucá, que é responsável pela  produção do material visual que irá ilustrar todo o levantamento trazido pela pesquisa de campo.

Festeiros, as figuras centrais

A primeira casa que eles visitaram foi de uma das mais tradicionais festeiras de Corumbá, dona Maria Paula da Silva que, inclusive, foi uma das homenageadas durante a 7ª edição Festival América do Sul, em 2010. Os festejos direcionados a São João estão na família dela há três gerações e foi herança da avó materna que trouxe esse jeito singular de celebrar o santo da cidade de Cáceres, em Mato Grosso.

“Quando chegamos aqui em Corumbá, eu tinha 8 anos de idade e me lembro que apenas mais dois lugares na cidade, um no antigo bairro Cidade Jardim, é que tinha festa de São João”, contou a festeira de 82 anos de idade aos antropólogos. “Aqui, eu faço a festa independente de ter ajuda ou não, para falar verdade nunca ninguém banca a festa, somos nós mesmos que fazemos”, reforçou com orgulho ao explicar que isso se deve à devoção que se iniciou com uma imagem do santo que a avó encontrou em meio ao mato ainda no estado vizinho onde as festas duravam até três dias.

Dona Maria Paula, 85 anos de idade, é uma das mais antigas festeiras de Corumbá

Para Scanoni, o contato com os festeiros é fundamental, pois é possível traçar similitudes e, principalmente, singularidades que fazem do jeito do corumbaense festejar São João uma maneira única dentro do país.

“A gente volta a escutar essas entrevistas, revê e reflete sobre o que a pessoa disse e busca associações com outras coisas, de repente, outro festeiro, outra festa no país, então tem todo um processo de estudo não apenas do arcabouço de Antropologia, mas também daquilo que já foi registrado como patrimônio, o que elas nos ensinam aqui e, ao mesmo tempo, retirar desse contexto a singularidade do São João de Corumbá”, explicou ao lembrar que há uma grande equipe multidisciplinar formada por acadêmicos de cursos como Ciências Sociais, Jornalismo, Geografia que ajudam nesse processo de catalogação e depuração do material coletado.

Longo processo

No final de fevereiro deste ano, o Iphan anunciou a contratação da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul) para a elaboração do dossiê e material audiovisual para subsidiar o pedido do registro.  Esse trabalho aprofundará as pesquisas, buscando identificar e conhecer as referências culturais existentes no Banho de São João, compreender o significado da festa para quem a celebra e como ela desempenha papel central na formação da identidade cultural local.

Ritual de banhar a imagem do santo no rio Paraguai é uma prática singular dos festejos de São João em Corumbá

Desde 2013, quando do requerimento solicitado ao Iphan em Mato Grosso do Sul pela Prefeitura de Corumbá, via Fundação de Cultura, representando expressivo grupo de detentores do Bem (Banho de São João de Corumbá e Ladário), passou-se ao minucioso processo de instrução de registro que gerou inúmeras reuniões com os festeiros e demais personagens relevantes na realização da festa como os músicos cururueiros, os dançarinos das quadrilhas, artistas e demais representantes, além de um amplo registro fotográfico e fílmico já compilado, com diversas participações in loco nos festejos dos últimos anos.

Os produtos resultantes da contratação da UFMS serão enviados à Brasília para análise e parecer técnico do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural Brasileiro. Caso seja aceito, o Bem “Banho de São João de Corumbá e Ladário/MS” será registrado no Livro das Celebrações como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, tornando-se o primeiro bem exclusivamente registrado em território sul-mato-grossense.

Desde 2005, Corumbá e Ladário, estendendo o título a Mato Grosso do Sul, possuem o “Modo de Fazer Viola de Cocho” como Bem Cultural Imaterial Brasileiro, entretanto esse título é dividido com o Estado de Mato Grosso onde essa manifestação também ocorre. Atualmente, esse registro está em fase de revalidação pelo próprio Iphan, procedimento de praxe realizado ciclicamente para a manutenção ou não do bem imaterial.

Apoio de Conselho Municipal 

Em Corumbá, os antropólogos estão tendo também o apoio do Conselho Municipal de Política Cultural que, segundo seu vice-presidente, José Gilberto Garcia Rozisca, é de fundamental importância para o cenário local, tendo nos festeiros o núcleo por onde se perpetua a tradição e a fé dessa manifestação popular.

“O Conselho quer se envolver mais no processo de Registro do Banho de São João, na pesquisa com os festeiros, que são a alma dessa manifestação cultural, e na construção do dossiê. Isso porque entendemos a importância e a singularidade desse festejo e tudo aquilo que está envolvido nos preparativos de cada festa e sua culminância no ato de banhar a imagem do Santo. O CMPC pode contribuir e servir de elo entre os pesquisadores, o poder público e a comunidade festeira.

Divilgação

Além de Corumbá, antropólogos também visitam festeiros na cidade vizinha de Ladário

Mostrar que o Conselho está presente no processo pode ser positivo para o Registro do bem como patrimônio cultural do Brasil, ainda mais sabendo que a Prefeitura de Corumbá, através da Fundação da Cultura e do Patrimônio Histórico, anseia e vem contribuindo para conquistarmos esse título. Todos estão envolvidos num mesmo objetivo”, avaliou Rozisca que também participa do trabalho como pesquisador voluntário sendo uma referência entre o grupo de antropólogos e a comunidade local.

A equipe também seguiu, no primeiro dia de campo, para Ladário onde entrou em contato com Lucílio de Arruda Barbosa que, desde o ano de 1974, realiza os festejos na cidade vizinha.

 

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