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Desgaste psíquico entre padres é abordado durante encontro de religiosos

Ricardo Albertoni em 10 de Abril de 2018

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Sacerdotes participantes de encontro celebraram missas em Corumbá e Ladário

Corumbá sediou na última semana o Encontro Regional de Padres. Participaram quarenta sacerdotes das dioceses de Campo Grande, Dourados, Naviraí, Três Lagoas, Coxim, Jardim e Corumbá. Embora a cidade pantaneira estivesse programada para receber o encontro somente em 2021, o tema sobre o desgaste psíquico foi pertinente ao caso ocorrido no município em novembro de 2016, quando o padre Rosalino de Jesus Santos, 34 anos, pároco da Igreja São Bartolomeu, tirou a própria vida. Ele enfrentava um possível quadro de depressão.

O padre Hiata Anderson Flores de Souza, da comunidade de São José Operário, disse que a decisão da escolha da cidade partiu da sensibilização dos religiosos após a perda do sacerdote, o que representou um momento de grande consternação para toda a comunidade católica da região.

“A morte do padre Rosalino foi um choque grande para todos nós católicos em Corumbá, mas depois houve um trabalho incessante da Igreja, sempre com o objetivo de reconstruir, confortar o coração machucado pela dor que causou a morte do padre. Quando estes religiosos se sensibilizam com esse momento de dor e decidem estar conosco, temos um verdadeiro momento de comunhão. É a Igreja sendo Igreja e sofrendo a dor de Corumbá. Não é uma dor só nossa, é de todos, mostrando que são solidários, que perderam um irmão”, explicou Hiata, responsável pela logística dos padres na cidade.

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Coordenador regional, o padre Rubens José dos Santos, explicou que formações acontecem anualmente

Em seu segundo ano à frente da coordenação regional do clero, o padre Rubens José dos Santos, da Diocese de Dourados, explicou que durante as formações que acontecem anualmente, quatro “dimensões” são trabalhadas: intelectual, espiritual, pastoral comunitária e a que foi trabalhada em Corumbá, que é humana afetiva, a qual foi discutido o tema desgaste psíquico dos presbíteros. O padre Rubens reforça a importância de trazer à tona o tema entre os sacerdotes tendo em vista que a depressão atinge os mais variados segmentos da sociedade, sem distinção de idade e a orientação é fundamental para que as pessoas saibam lidar com esse problema.

“Trabalhamos muito essa questão da falta do sentido, da depressão, da tristeza e isso se não for trabalhado, se for ignorado, pode levar ao suicídio. As pessoas esquecem que o padre é um ser humano, que também traz a sua família, marcas, histórias de rejeição, que se isso não for trabalhado realmente pode acontecer o que aconteceu. Sabemos que isso abala muito a comunidade, o que aconteceu trouxe muita tristeza para o bispo, para todo o clero dessa diocese, para todo o nosso regional, e também para o povo de Deus. Por isso acredito que essa orientação é indispensável”, disse ao Diário Corumbaense o padre Rubens.

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

O padre João Inácio Kolling trouxe para o encontro discussão sobre a Síndrome de Bournout

Convidado para ser o assessor do encontro, o padre João Inácio Kolling, de Guarapuava, no Paraná, trouxe para o encontro a discussão sobre a Síndrome de Bournout, um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso. “Os padres, assim como as outras categorias sociais têm um sofrimento que não é apenas uma questão pessoal subjetiva, mas é produzido pelo ambiente. Hoje existe muito sofrimento na sociedade e a doença que se fala muito é Bornaut, que  como os ingleses dizem é um desmoronamento de dentro pra fora. Como eles – padres - sendo pessoas que deveriam ser alegres, animadoras, fortes e vibrantes se comportam diante do sofrimento humano. Existem múltiplos fatores de pressão, de cobrança, excesso de trabalho, e aí ele entra em um desgaste que durante um longo tempo aguenta e de repente desmorona”, explicou.

Kolling, destacou que vários fatores podem ocasionar o esgotamento e afirma que algumas medidas podem ser tomadas para evitar o desgaste emocional. “O índice de suicídio é menor que o de médicos, por exemplo, mas mesmo assim é estranho que um padre se suicide, repercute, mas, ao mesmo tempo serve de alerta para que a gente possa conduzir a vida para não cair nisso. É necessário que saibam que se deve ter um horário, um limite para as coisas. A dor é institucional, a sociedade é quem produz a doença. Eu trabalhei muito essa perspectiva, em primeiro lugar, o padre não é diferente de uma outra pessoa da sociedade e a pressão é a mesma, como em uma empresa, isso desgasta a pessoa. Então, ele vive como as outras pessoas uma predisposição para doenças psíquicas que qualquer sociedade produz. Bornaut significa um desmoronamento psíquico afetivo, é mais do que simples depressão ou desgosto. É sobre isso que tratamos até mesmo para que os colegas saibam lidar com isso para que não haja o risco de chegar ao suicídio”, enfatizou a este Diário o padre Kolling.

No final da formação, os padres redigiram um relatório sobre as discussões. Durante o encontro, também houve celebrações em  Ladário, na igreja Nossa Senhora dos Remédios e, em Corumbá,  na igreja São José Operário e na igreja São Bartolomeu, comunidade onde o padre Rosalino era pároco.

Comunidade São Bartolomeu busca superar a dor

De acordo com o padre Hiata, pouco mais de um ano após a morte do pároco, a comunidade que havia se fragilizado diante do episódio, aos poucos vai superando a dor da perda do religioso, graças ao trabalho especial realizado entre os fiéis.

Arquivo Diário / Anderson Gallo

Em 2016, padre Rosalino de Jesus Santos, pároco da Igreja São Bartolomeu, tirou a própria vida; ele enfrentava um possível quadro de depressão

“Desde a morte do padre Rosalino, fizemos um trabalho de visitas de curar corações mesmo e isso hoje em dia a gente vê como superado em parte. Ainda existem aquelas pessoas que sofrem por conta do sentimento de ser amigo próximo dele, isso ainda deve demandar. Houve naquele momento um esvaziamento, mas hoje já percebe-se após mais de um ano, os fiéis retornando à igreja. As pessoas viam nele uma pessoa que estava acima da situação, quando na verdade era uma pessoa frágil, assim como todos e naquele tempo estava doente por causa da depressão”, explicou.

O padre Rosalino de Jesus Santos deixou legado à comunidade católica de Corumbá e principalmente à juventude. Envolvido em todos os eventos da diocese, o líder da Paróquia São Bartolomeu dedicou sua vida ao ministério sacerdotal. Ele chegou à Paróquia São Bartolomeu como diácono recém-formado, passou a ser coordenador e pároco, liderava todas as atividades da Igreja Católica na parte alta da cidade e movimentava os jovens.

Ele foi encontrado morto, por enforcamento, na manhã do dia 18 de novembro de 2016 na casa do Bispado – na rua Antônio João – onde morava havia cerca de dois anos.

O sacerdote foi sepultado no cemitério de Ladário, cidade onde havia nascido. Antes do sepultamento houve missa de corpo presente celebrada no Santuário Nossa Senhora dos Remédios por diversos padres da diocese e pelo bispo Dom Martinez. Centenas de fiéis, amigos e inúmeros jovens participaram da despedida.