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Cultura que atravessa fronteiras: identidade e resistência das mulheres cholas

Leonardo Cabral em 08 de Outubro de 2025

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Na fronteira entre Corumbá e Bolívia, é comum a presença das mulheres cholas

Quem vive em Corumbá tem o privilégio de presenciar uma intensa troca cultural entre Brasil e Bolívia. O município pantaneiro, que faz fronteira com Puerto Quijarro e Puerto Suárez, é palco de um vai e vem diário de pessoas e tradições que se encontram sobre a ponte internacional, promovendo uma verdadeira integração entre os dois países.

Uma das expressões mais marcantes dessa convivência está nas vestimentas das cholas ou cholitas bolivianas — mulheres indígenas conhecidas por seus trajes tradicionais coloridos, compostos por polleras (saias rodadas), xales, chapéus coco e tranças longas. Muito além da aparência, essas roupas representam orgulho, resistência e identidade cultural.

Foto enviada ao Diário Corumbaense

Andrea Xavier durante o trabalho de campo da pesquisa

Andrea Paola Yanguas Xavier, 42 anos, nasceu em La Paz (Bolívia), viveu 40 anos no Rio de Janeiro e hoje mora em Corumbá. Mestre em Estudos Fronteiriços pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e doutoranda na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), ela é a primeira pesquisadora da América Latina a estudar mulheres cholas no contexto fronteiriço.

“Dentro da UFMS, fiz meu mestrado com foco nas mulheres cholas da fronteira, indígenas quechuas e aimarás. Elas representam o protagonismo dos povos originários”, destacou Andrea em entrevista ao Diário Corumbaense.

Segundo a pesquisadora, as cholas simbolizam resistência e preservação cultural entre as novas gerações. Essa presença se manifesta em eventos religiosos e culturais, como as celebrações em homenagem à Virgem de Copacabana e à Virgem de Urkupiña, realizadas em agosto. Durante essas festas, mulheres, crianças e adolescentes vestem roupas tradicionais, reforçando a representatividade dessa cultura na região de fronteira.

Cultura viva em Corumbá

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

As mulheres cholas são representadas nas festas religiosas na fronteira entre Corumbá e Bolívia

Em Corumbá, é comum ver mulheres cholas em feiras livres, festas culturais e nas ruas, vendendo produtos típicos da Bolívia — como os tradicionais alhos — ou participando ativamente da vida comunitária. Muitas vieram de La Paz, Oruro, Cochabamba e Potosí.

“Há mais de 500 anos, essas mulheres mantêm suas tradições. Aqui, reafirmam espaço, território e resistência feminina, ultrapassando fronteiras e levando sua cultura para além do território boliviano”, ressaltou Andrea.

Realidade na fronteira

Apesar da força cultural, as cholas enfrentam desafios diários ao cruzar a fronteira. A pesquisa inédita coordenada por Andrea analisou a realidade dessas mulheres em Corumbá e em Puerto Quijarro (Bolívia), abordando cinco aspectos centrais: identidade pessoal e cultural, migração e resistência, discriminação, vestimenta chola e vida cotidiana.

Foram entrevistadas 14 mulheres — sete de cada lado da fronteira. Os resultados mostram que a discriminação ainda é uma realidade marcante:

- 71% das entrevistadas que vivem no Brasil afirmaram já ter sofrido preconceito na Bolívia;

- 43% relataram episódios de discriminação em território brasileiro;

- Entre as que trabalham na Bolívia, 57% disseram ter sido alvo de insultos por pessoas “não indígenas”.

Foto enviada ao Diário Corumbaense

É comum vê-las em feiras livres de Corumbá

A pesquisa também mapeou a origem das entrevistadas, revelando deslocamentos significativos. No grupo que atua em Corumbá, 42,9% vieram de La Paz, 28,57% de Potosí e 14,3% de Sucre e Cochabamba. Uma das entrevistadas percorreu 1.519 quilômetros de La Paz até a fronteira brasileira. Entre as que trabalham em Puerto Quijarro, a maioria é de Potosí (42,9%), seguida por Sucre, Oruro e Cochabamba (14,3% cada).

Para Andrea, dar visibilidade às experiências das mulheres cholas é essencial para enfrentar desigualdades e preconceitos, além de valorizar seu papel na economia e na cultura fronteiriça.

“O reconhecimento dessas mulheres como agentes econômicos e culturais ativos amplia a compreensão sobre as dinâmicas transfronteiriças. Também reforça a importância de políticas públicas que garantam melhores condições de trabalho e maior integração social para esse grupo historicamente marginalizado”, afirmou.

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Quem são as cholas

Na Bolívia, o termo “chola” é uma denominação étnica atribuída a mulheres mestiças e indígenas, em sua maioria aimarás ou quechuas. A palavra tem origem no sistema colonial de castas e hoje identifica mulheres que mantêm vestimentas tradicionais e valores ancestrais.

Mais do que uma designação cultural, as cholas representam resistência, identidade e orgulho. Na fronteira entre Bolívia e Brasil, elas seguem firmes como guardiãs de saberes ancestrais, mantendo viva uma cultura que atravessa séculos.

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