Leonardo Cabral em 24 de Junho de 2025
Anderson Gallo/Diário Corumbaense
Momento do banho da imagem do santo nas águas do rio Paraguai
O ato remete ao batismo de Jesus Cristo por João Batista nas águas do rio Jordão, mas toda a festa começa na casa dos devotos. Lá, eles preparam comidas típicas, rezam pelas graças alcançadas e pedem bênçãos a São João.
Junto com amigos e familiares, a festeira Laura Amorim contou que a tradição está presente em sua família há mais de 100 anos, iniciada pelos bisavós e preservada ao longo das gerações. Ao Diário Corumbaense, ela relembrou que, no ano anterior, as queimadas foram um problema sério, o que acabou projetando Corumbá negativamente em rede nacional justamente durante uma das festas mais tradicionais da região.
“Começou com eles, depois meus avós. A festa era feita na fazenda onde morávamos. Agora, desde 2015, voltamos a fazer, e quem dá seguimento é a minha mãe, Ernestina Moura Amorim. Estar aqui é um momento de renovação, onde agradecemos e pedimos bênçãos. Ano passado, quando descemos, pedimos que as queimadas acabassem. Este ano, estamos descendo sem nenhuma queimada. Pedidos alcançados”, disse a festeira do bairro Generoso.
Um dos momentos mais especiais durante a descida da ladeira é quando os andores, grandes, médios ou pequenos, cada um com suas peculiaridades, se encontram. A reverência entre eles é um dos pontos cultuados pelos festeiros, seja na descida, na subida ou às margens do rio. Acompanhados por cânticos em louvor a São João, os cortejos seguem com muita emoção, atraindo uma multidão.
Sem conter as lágrimas, Elaine Ortiz contou que a tradição de trazer o santo às margens do rio Paraguai está em sua família há cerca de 60 anos, iniciada por sua avó:
“Começou com a minha avó, depois a minha tia, porém infelizmente elas partiram, deixando essa herança linda e especial na vida da nossa família e comunidade, que abraçou a festa junto com a minha mãezinha e eu. Estar aqui é uma renovação não só do corpo, mas da alma, seguida da fé, ainda mais com a festa sendo patrimônio cultural, onde entendemos que a cada descida, reforçamos a tradição. Também estou aqui por elas: minha avó, tia, mãezinha que está com Alzheimer. Só tenho a agradecer a São João.”
Anderson Gallo/Diário Corumbaense
Aos 80 anos, festeiro Carlos Diniz (à direita) já pediu à família que prossiga com a tradição
“Há 13 anos desço com o andor e a imagem de São João. Que festa linda que temos, é sem igual. Quando garoto, sempre participei das festividades, e hoje desço com meu andor. Isso é esperado o ano todo, nos preparamos dentro das nossas possibilidades para participar dessa grande tradição de fé, de festa. Aqui estão meus netos, genros, filhos, bisnetos, que vivenciam isso e que, com toda certeza, irão continuar”, disse Carlos.
Além das bênçãos, conta a tradição que, após passar embaixo de sete andores, na ida e na volta, os fiéis garantem a proximidade do casamento.
A tradição
A Fundação da Cultura e do Patrimônio Histórico de Corumbá tem mais de 100 andores cadastrados. Só na noite de ontem, a expectativa era da descida de aproximadamente 125 andores, entre cadastrados e não cadastrados.
Anderson Gallo/Diário Corumbaense
Andor oficial da Prefeitura; muita gente seguiu à risca a superstição de passar por baixo de sete andores para se casar
“É uma festa de representação de todo um povo, toda uma cultura, a tradição e a fé da nossa cidade. A gente anda nos bairros e percebe a grandiosidade dos festejos acontecendo e, hoje, é o ápice da celebração. Acompanhamos os festeiros em suas casas também, até porque é uma festa importante não só para Corumbá, mas para o país inteiro, já que estamos entre as 10 melhores do Brasil. É uma tradição diferenciada e ficamos muito felizes com isso, de ter uma festa que nenhuma outra região do país tem igual. Então, isso a gente quer levar, expandir para o Brasil.”
O deputado estadual Paulo Duarte, que acompanhava o prefeito, frisou a relevância das festividades em homenagem a São João no cenário nacional.
“Essa semana saiu uma matéria na Folha de S. Paulo, falando exatamente isso, que Corumbá, depois das cidades do Nordeste, está entre as três cidades que têm a melhor festa de São João. Mas sabemos que, além da tradição, é uma demonstração do respeito à diversidade, ao sincretismo religioso. Nós estamos vendo aqui hoje pessoas de várias religiões que têm o mesmo Deus. Então, acho que em um momento de tanta turbulência, de guerra, você tem um santo que une as pessoas e une as religiões. Isso é fantástico. A festa existe justamente por causa do povo, e o São João é um santo, reconhecidamente, um santo popular. Tem toda essa força por causa do povo corumbaense — esse povo que passa de geração para geração mantendo uma tradição inigualável. Acho que São João igual ao de Corumbá, parecido só no Nordeste. Aqui nós somos campeões.”
A louvação durante o cortejo
A louvação ao santo tem dois momentos marcantes durante a procissão pelas ruas da cidade. Ouve-se primeiro a ladainha: “Deus te salve João / Batista sagrado / O teu nascimento / Nos tem alegrado.”
Logo após, a banda imprime um ritmo carnavalesco e o povo pula de alegria, cantando: “Se São João soubesse que hoje era o seu dia / Descia do céu à terra / Com prazer e alegria.”
Durante o banho, o povo entra na água, toca a imagem e se percebe a religiosidade dominante.
Aos gritos de “Viva São João”, escuta-se o batuque da umbanda e do candomblé na beira do rio, anunciando a presença de entidades em um grande terreiro. Os pagadores de promessas se ajoelham com emoção e fé fervorosa. Depois do ritual, o andor retorna para a casa do festeiro.
O Banho de São João é Patrimônio Cultural Imaterial reconhecido pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde 2021.
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