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PF "costurou" dados coletados em diferentes operações até chegar a desembargadores

Maristela Brunetto - Campo Grande News em 24 de Outubro de 2024

Henrique Kawaminami/Campo Grande News

Cofre apreendido no TJMS durante a operação: STJ permitiu até arrombamento

Para reunir elementos atribuindo condutas ilegais a desembargadores, advogados, servidores e empresários, culminando na operação Ultima Ratio, desencadeada nesta quinta-feira (24), a Polícia Federal montou um quebra-cabeças com dados coletados ao longo dos anos em diferentes operações, pelo menos quatro, como a Lama Asfáltica e a Mineração de Ouro.

Os policiais apontaram, em relatórios, encontro fortuito de informações que não eram o objetivo principal daquelas investigações e fizeram uma minuciosa pesquisa por processos no site do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) para construir a narrativa que culminou com o deferimento do pedido de afastamento de cinco desembargadores, um conselheiro do TCE (Tribunal de Contas) e um servidor comissionado da Justiça por 180 dias, além de 44 mandados de busca e apreensão e 35 de quebra de sigilos bancário e fiscal contra pessoas e empresas.

A decisão que resultou na Operação Ultima Ratio, cumprida nas primeiras horas desta quinta-feira, foi proferida pelo ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Francisco Falcão. A Corte tem a competência diante de investigações criminais envolvendo desembargadores e conselheiros. Das 122 páginas, ele dedicou 48 a mostrar o nível de detalhamento dos dados apurados por policiais federais.

Ações antigas, de mais de uma década, foram pesquisadas para comparar com diálogos interceptados de advogados e pessoas alvo de operações passadas, como a suspeita de ilegalidade na decisão que afastou o então prefeito de Campo Grande, Alcides Bernal, ou mesmo em ação em que uma pessoa reivindicava prejuízo envolvendo a venda de uma fazenda, com a alegação de uso de procuração falsa, sofrendo derrota.

Os policiais apontam que pessoas foram prejudicadas e não conseguiram defender plenamente seus direitos porque haveria conluio entre advogados e julgadores. A operação envolveu escritórios de advocacia de filhos de pelo menos quatro desembargadores.

Os policiais colocaram na representação feita ao ministro do STJ, que incluiu sete pedidos de prisão, diálogos entre desembargadores e empresários ou mesmo pessoas conhecidas. Os temas envolviam julgamento de recursos, desde valores de honorários, a mandado de segurança de candidato em concurso público, até processos envolvendo altos valores, relacionados a empresas.

A PF também elencou situações de cessões de honorários milionários entre advogados, colocando-os sob suspeitas, assim como subcontratações de filhos dos magistrados. Movimentação de processos era tratada em diálogos por aplicativos de mensagem entre interessados e magistrados. 

Entre as relações suspeitas para apontar supostas vendas de sentenças, são mencionadas compras de veículos, gado, depósitos em dinheiro, transações bancárias, para sugerir confusão patrimonial que sugeriria irregularidades com recursos. A Receita Federal também participou da operação.

Os policiais incluíram na representação o caso que envolveu a advogada Emanuelle Alves Ferreira da Silva, mulher do juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior, aposentado compulsoriamente, referente a uma ação de R$ 5,5 milhões que teria sido deferida com documentos falsos.

O caso colocou no radar da operação o juiz Paulo Afonso de Oliveira e o desembargador aposentado Julio Roberto Siqueira, que proferiram decisões. À época, Oliveira alegou desconhecer irregularidade na documentação e chegou a ter a conduta analisada pelo TJ. Incluíram, ainda, operação envolvendo o também aposentado Divoncir Schreiner Maran, em curso no STJ, envolvendo a concessão de habeas corpus a traficante.

O ministro autorizou o afastamento, por 180 dias, dos desembargadores Sérgio Fernandes Martins, atual presidente do TJMS; o futuro presidente Sideni Soncini Pimentel; Vladimir Abreu da Silva; Alexandre Bastos e Marcos José Brito Rodrigues e ainda o conselheiro do TCE, Osmar Jerônymo, e o sobrinho dele, Danilo Jerônimo. Eles deverão ficar sob monitoramento eletrônico e não manter contato com demais investigados.

Ao todo, foram expedidos 44 mandados de busca e apreensão, além dos já citados 35 alvos de quebras de sigilos bancário e fiscal a partir de 1º de janeiro de 2014. A operação foi desencadeada em Campo Grande, Cuiabá, São Paulo e Distrito Federal.

Ao deferir o pedido, Falcão apontou valores expressivos relacionados a movimentações atípicas. “Na espécie, reputo estarem demonstradas a razoabilidade e a necessidade do afastamento dos sigilos bancário e fiscal, diante dos fundados indícios de autoria e materialidade acima mencionados.”

O STJ ainda deferiu o pedido de afastamento dos sigilos bancário e fiscal de todos os investigados. 

O Banco Central deve ser oficiado para realizar a consulta ao CCS (Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS) e SISBAJUD para a identificação das instituições financeiras nas quais as referidas pessoas mantêm ou mantiveram qualquer tipo de relacionamento, tais como titulares, co-titulares, representantes ou procuradores de contas de depósito à vista, de poupança, de investimento, de depósitos a prazo ou outros bens, direitos e valores, diretamente ou por seus representantes legais, bem como em relações em conjunto com terceiros.

A ação desta quinta levou o nome de “Ultima Ratio”, expressão do latim traduzida literalmente como " o último argumento dos reis" e que significa que esgotados todos os argumentos razoáveis num debate, impõe-se o uso da força.