PUBLICIDADE

Que País é esse?

Coluna Coisas da Língua, com Rosangela Villa(*) em 24 de Maio de 2019

Caros leitores

Que país é este onde crianças são expostas para adoção por quem deveria protegê-las? Nesta semana, ficamos estarrecidos com o evento que ocorreu em Cuiabá, no estado do Mato Grosso, em que crianças e adolescentes, órfãos ou abandonados, foram produzidos, maquiados e colocados para desfilar numa passarela do Pantanal Shopping, a fim de serem “escolhidos” e adotados pelos convidados em um teatro de horrores. Será o fim dos tempos como muitos profetizam? Ou perdemos a noção dos parâmetros humanitários?

É fato que os meios nem sempre justificam os fins, e não dá para acreditar que essa ideia tenha partido de quem deveria cuidar e proteger essas crianças, mas que sequer mensuraram o trauma que poderiam lhes causar. É o mesmo que apoiar o bordão político “rouba, mas faz”. Ora, esse episódio em Cuiabá nos remete ao tempo da escravidão, quando os negros escravos eram vendidos em praça pública tendo partes do corpo analisadas ali mesmo pelos compradores. Só faltou pedirem para as crianças mostrarem os dentes, como os escravos eram obrigados a fazer nos leilões.

Meu Senhor, quanto ainda vamos nos surpreender com o ser humano? Do outro lado do espelho de nossa triste história recente, algo semelhante é feito no tráfico de pessoas, o traficante sequestra e o comprador escolhe aquelas que melhor atendem aos seus interesses. Ou passam previamente o perfil desejado para o sequestrador e aguardam a “encomenda”. No caso de Cuiabá, isso foi feito à luz do dia e com as bênçãos da proeminente sociedade. Isso é mesmo o fim dos tempos, da ética, e a decadência acelerada da sociedade? As crianças foram jogadas aos leões pela própria Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (AMPARA) que, segundo a imprensa, foi quem organizou o evento, juntamente com a Comissão da Infância e Juventude da OAB, do Mato Grosso, ou seja, justamente por aqueles em quem elas deveriam confiar.

O que podemos esperar disso? Que não demora para que a exposição do perfil de crianças para adoção seja feita pelo whatsapp? Será a banalização do crime em marketing feito em ambiente virtual num simples olhe, aprove e leve? E as crianças que não foram escolhidas, após o desfile acrescentarão “rejeitadas” à sua história? Sim, pois nem todas saíram dali para um novo lar, já que a maioria foge aos padrões desejados pelas famílias que adotam.

Estimados, onde vamos parar nesse ritmo acelerado da degradação humana? Cadê o Conselho Tutelar daquele estado e o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente que não intervieram nesse circo de horror? E para aqueles que acham que os meios justificam os fins, estão enganados, como enganados estão os que acham que armando a população por meio de um decreto de venda de armas conseguiremos reduzir as mortes. Ledo engano!!!

É uma tristeza constatar que estamos num país à beira do caos social! Saber que não eram cães na passarela, ou mercadorias, mas crianças para adoção, me fez lembrar também do poema O bicho, de Manuel Bandeira “… O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem!” O que leva instituições a adotarem tais sofismas?? Precisamos respeitar crianças que precisam de nossos cuidados e proteção. Não nos é permitido lançá-las numa arena para serem escolhidas como bicho! Como bem disse Jesus Cristo, na cruz “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem!”. Até a próxima.

(*) Rosangela Villa é professora associada da UFMS e colaboradora do Diário Corumbaense.