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Dia dos Pais, Dia de reflexão

Por Nelson Pedro Silva (*) em 13 de Agosto de 2017

Neste domingo, comemora-se mais um “Dia dos Pais”. Sei que muitos leitores pensarão que se trata apenas de uma data comercial. Outros costumam dizer que todos os dias é “dia dos pais”, assim como da mãe, da mulher, dos avós, da criança. Tendo a concordar. Entretanto, nada mais gostoso do que o pai receber cumprimentos e presentes nesse dia.

É certo também que o conceito de pai, nos dias de hoje, mudou muito, assim como a função que, cada vez mais, ele tem exercido. Hoje, essencialmente, ele deve ou já está desenvolvendo a função de cuidado (outrora, apenas desempenhada pelas mães), além da que sempre desempenhou – a de provedor. É evidente que existem, ainda, diferenças quando a família é das camadas populares e de outros extratos sociais.

Contudo, há sérias e complexas indagações colocadas para os pais nesses tempos pós-modernos ou neomodernos. Entre elas: a) quem é pai nos dias de hoje? b) o pai deve ser amigo de seus filhos? c) como enfrentar a alienação parental? d) como a mãe deve relacionar-se com os seus filhos, quando ela é mãe solo, seja porque o pai biológico não participa da educação dos filhos ou a mãe decidiu ter o filho sozinha? e) o que fazer quando os filhos perguntam sobre o pai? f) como lidar com pais idosos ou pais-avós? g) quem é o pai: o biológico ou aquele que cria e educa? h) como trabalhar com a ausência de autoridade dos pais (ou negação do seu exercício), sobretudo com os seus reflexos na escola? i) como lidar com o excesso de proteção que os pais tem dispensado aos filhos? j) por que os pais resistem em colocar limites aos filhos? k) como a escola deve proceder em relação ao Dia dos Pais, sobretudo quando o aluno desconhece ou foi abandonado por seu pai?

Adianto que as respostas a estas indagações não são fáceis e dependem, em parte do referencial adotado por especialistas. Para os propósitos desse pequeno ensaio, teço considerações sobre as consequências do excesso de proteção dos pais.

Estudos tem evidenciado que, diferentemente do que aconteceu em outras épocas, os pais e/ou responsáveis não estão deixando as crianças e os adolescentes “caminharem com as próprias pernas”.

A justificativa empregada é a de evitar que eles sofram ações violentas (sequestro, pedofilia, atropelamento ou latrocínio). Postulo, porém, que, além desses motivos, está implícito um novo valor atribuído aos filhos, pois, antes, estes eram vistos como força de trabalho para auxiliar na labuta da terra e, consequentemente, garantir melhores condições de vida à família. É evidente que isso ocorria quando se tratava dos pequenos pertencentes às camadas econômica e socialmente menos favorecidas. Quanto aos das classes julgadas dominantes, o desejo dos pais era de que eles estudassem para levar os negócios da família a bom termo. Entretanto, com a redução do número de filhos e a inserção da mulher no mercado de trabalho, entre outros aspectos, os pais passaram a adotar novas formas de cuidado e educação,

Assim, em outros tempos, por causa do número elevado de filhos, aliado ao fato de as pessoas viverem no campo e terem um modo de vida extremamente ritualizado, os pais costumavam educar o primogênito para exercer a função de educador dos demais. Afinal, a imposição de regras e valores éticos e morais, nesse período, era imprescindível. Do contrário, as pessoas corriam o risco de gerar uma horda de primitivos.

Acontece que a redução da prole acabou sendo acompanhada por uma flexibilidade no ensino e na exigência de condutas morais e éticas. Acrescente-se, ainda, que os pais passaram a se negar a impor limites, em grande medida, movidos pelo sentimento de culpa de ter que deixar os filhos sob a responsabilidade de outras pessoas (avós e/ou babás, por exemplo) e instituições (creches e escolas de Educação Infantil). Como resultado, temos a criação de indivíduos insolentes.

Esse excesso de proteção é acompanhado pelo medo do novo. Os pais, hoje, amparados nos argumentos apresentados sobre a violência, têm manifestado ou escamoteado persistentes condutas de proteção aos filhos de qualquer novidade. É como se eles não desejassem o crescimento de seus rebentos por estarem satisfeitos com a dependência total que estes têm deles (e o contrário também é verdadeiro). Por conseguinte, o desenvolvimento – possibilitado, em parte, pelo contato com o novo – acabou sendo impedido com a justificativa de que isso impediria os pais e filhos de serem felizes. Acontece que só aprendemos por meio da experiência, incluindo as experiências negativas. É por meio do fracasso que aprendemos a enfrentar as dificuldades.

A esse respeito, em determinadas situações, o erro é preferível ao acerto imediato, por desencadear o processo de compreensão e, consequentemente, de construção de novos conhecimentos. Já o acerto faz cessar tal processo. Agora, como crianças e adolescentes podem errar se lhes é negado o contato com o novo? Para vários pais, esse processo de experimentação tem sido compreendido como démodé: apesar do fato de tentativa e erro serem os verdadeiros “pais” do sucesso, os pais estão se dando muito trabalho para remover os erros dessa equação.

Parece-me, dessa forma, que a família – especialmente os pais – tem funcionado para amplificar o desejo de seus filhos de viver o presente, de maneira a satisfazer os próprios prazeres a qualquer custo, independentemente dos meios empregados. Essa também é a opinião de vários especialistas sobre o atual desinteresse dos jovens pela produção de conhecimento. Isso significa que os estudantes até chegam a ter vontade de produzi-lo, mas falta-lhes a “força de vontade”. Entretanto, sem desconsiderar um caso ou outro relacionado a essa busca de prazer, esse movimento está amparado no deslocamento dessa força de vontade para o cuidado do corpo, por exemplo.

Dessa forma, as pessoas não deixaram de alimentar a demanda por desenvolvimento. Ela está ligada às novas mídias e/ou à busca do ideal da perfeição corporal e, consequentemente, à protelação do processo de envelhecimento. Isso não quer dizer que, efetivamente, a maioria da população está concretizando essa aspiração. Na verdade, temos dois movimentos concomitantes: um deles, representado por essa busca (somos campeões em cirurgias estéticas) e outro, pela obesidade (o Brasil é um dos países com maior número de pessoas acima do peso).

Por isso, sugiro aos pais que – depois de receber os cumprimentos e os presentes – que se coloquem a pensar: estou a produzir um filho para mim ou para a vida? Esse foi um dos grandes ensinamentos do meu saudoso e querido pai, Sr. Pedro, que procurou sempre me mostrar e ensinar-me a caminhar com as próprias pernas.

(*) Prof. Dr. Nelson Pedro-Silva é Psicólogo e Docente da UNESP/Assis.