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Pesquisador alerta sobre possibilidade de perda de registro da viola de cocho em MS

Lívia Gaertner em 19 de Dezembro de 2017

Seu modo de fazer é considerado patrimônio cultural imaterial do Brasil, sendo esse título compartilhado entre os estados vizinhos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde essa manifestação artística e popular é considerada autêntica. Entretanto, após 12 anos de concessão da importante chancela, a viola de cocho avançou pouco quando se trata de preservação e perpetuação do patrimônio no território sul-mato-grossense, onde Corumbá e Ladário são as cidades nas quais essa manifestação guarda resquícios de sua forte presença de outrora. É no território dessas duas cidades que os poucos mestres cururueiros, com avançada idade, vivem e ainda buscam manter a tradição.

Essa avaliação, sentida por muitos órgãos ligados ao setor cultural, também é compartilhada por especialistas no assunto como o antropólogo, professor do Instituto de Artes da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Ricardo Gomes Lima, que acompanhou todo o processo para a concessão do título de patrimônio cultural imaterial ao modo de fazer o instrumento tipicamente pantaneiro.

Fotos: Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Instrumento originalmente pantaneiro é feito a partir de um tronco inteiriço de madeira

Pesquisador aposentado do Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Ricardo integrou equipe do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular e conta como esse processo para o registro se originou em momento bem posterior.

“Tivemos um primeiro projeto na década de 1980 conduzido pela Elizabeth Travassos e o Roberto Correa sobre o cururu e o siriri, com o qual se fez um disco e, posteriormente, a gente recebeu uma carta de apelo de um professor daqui de Corumbá, dizendo que os mestres estavam muito idosos e que não via a reprodução desse conhecimento, desse saber e propunha o que poderíamos fazer em termos de oficina de repasse de conhecimento. Foi então que montamos um projeto de salvaguarda da viola conduzido pela Letícia Viana que veio se desdobrar em sequências até o registro do modo de fazer como patrimônio imaterial”, lembrou.

“Essa carta a qual me referi foi o primeiro documento que eu vi aqui de Corumbá pedindo um apoio para a viola de cocho. O professor mencionava que Corumbá e Ladário tinham cerca de 4 a 5 mestres, todos acima de 60 anos e que não via jovens nesse ofício de fazer a viola e que, ao mesmo tempo, o cururu e o siriri estavam enquanto expressões, manifestações, arrefecendo muito. Essa carta dele é da década de 90”, frisou Ricardo que veio a Corumbá no início deste mês a convite do Iphan para participar do evento “Diálogos Sobre a Gestão do Patrimônio Cultural”.

Lento caminhar

Em conversa com o Diário Corumbaense, o pesquisador, que visitou Corumbá no início dos anos 2000, relatou sua percepção sobre esses dois momentos na linha temporal no que se refere à preservação do patrimônio imaterial em questão.

“Chegando aqui agora encontrei exatamente a mesma situação de antes: poucos mestres fazendo, acima de 65 anos de idade, mas o bem está aí ainda. Acho que a primeira coisa que é preciso fazer é uma atualização da pesquisa para mostrar a real situação, eu só vi o que está aparente. Saber até onde que o registro interferiu na realidade dessa viola aqui para bem ou para o mal. De repente, é interessante expandir essa pesquisa para outras regiões como o Cerrado, onde alguns cururueiros dizem conhecer pessoas que confeccionam o instrumento”, sugeriu.

Antropólogo alerta MS para políticas de salvaguarda do bem cultural

Num comparativo com o estado vizinho, Mato Grosso, na análise do estudioso, a parte sul-mato-grossense fica em patamares inferiores quando o assunto é a apropriação da viola e de todo o saber popular envolvido. “Lá o registro funcionou como um mecanismo de autoconfiança dos mestres e de apropriação como símbolo do Estado onde a viola está em mil lugares. As pessoas sabem onde comprar publicamente e isso eu não sinto aqui em Corumbá. Sinto falta de uma Casa do Artesão, de uma casa de cultura onde se encontra esse bem do Estado de Mato Grosso do Sul à disposição dos turistas, por exemplo”, observou.

“O conjunto de questões que devemos pensar, avaliar nesse momento é interessante para gerar novas ações. Estamos acordando e vendo que precisamos fazer algo em relação à viola. Eu sinto muito isso: a falta de um espaço de visibilidade. Por que Corumbá e Ladário não tem uma Casa do Artesão, um centro de modo que esses fazeres sejam mais facilmente encontrados? Eu lamento dizer isso, mas digo para fustigar”, provocou Ricardo que ainda sugere. “Em outros lugares existem orquestras de viola de cocho, por que aqui não tem? Que comece pequena com 5 e daí aumente, mas penso que tem que começar um Núcleo, o Estado aprender esses potenciais de tesouro que ele tem para explorar”, frisou.

 

Pacto pela sobrevivência

Processo previsto em registro de patrimônios imateriais, que são aqueles não tangíveis, ou seja, que se perpetuam através de costumes e tradições, a principal pergunta que se busca responder com ele é: “o bem continua sendo uma referência cultural para a comunidade e consequentemente para o país?”.

A iniciativa prevista no Decreto 3.551/2000 tem como finalidade tanto investigar sobre a atual situação do bem cultural, como levantar informações, averiguar efetividade das ações de salvaguarda, verificar mudanças nos sentidos e significados atribuídos ao bem, entre outras iniciativas. O parecer é encaminhado para análise preliminar da Câmara Setorial do Patrimônio Imaterial, tendo avaliação final do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. Se a instância negar a Revalidação, será mantida apenas a inscrição no Livro de Registro como referência cultural de seu tempo.

Poucos mestres ainda detém e repassam o conhecimento de fazer instrumento; um deles, é o mestre "Tião", de Ladário

Para que o registro da viola de cocho em Mato Grosso do Sul não tenha esse destino, Ricardo Gomes Lima observa que é preciso ter uma disposição de forças e ações em mesma proporção de várias esferas com o objetivo de potencializar o sentimento de pertencimento.

“A ação das nossas parcerias, dos órgãos municipal, estadual e federal pode criar essa apropriação junto ao popular porque realmente se você vai para uma escola onde a viola de cocho jamais é vista de um bem digno de atenção professor/aluno, você não vai despertar isso nas crianças que vão se voltar para o violão, para a guitarra ou para outras coisas”, disse ao se referir às ações educativas como um desses braços. Entretanto, ele também observou o quanto pouco evoluiu ações para um plano de manejo com relação às questões ambientais, já que a viola é feita tradicionalmente de um tronco inteiriço de madeira advinda de espécies nativas, preferencialmente, ximbuva ou sarã de leite.

“Tem que pactuar ações entre esses órgãos, vimos aqui nos debates a dificuldade que é para um mestre de 70, 80 anos, de 90 em 90 dias, tirar um certificado novo na internet para tirar um comprovante. Será que um pacto entre o Iphan, que reconhece esse senhor como um mestre que faz a viola de cocho no Estado, e o Ibama não daria a esse senhor uma carteira especial a esse mestre da viola que o permita circular e agir a vida de preservação desse objeto que é importante para o Estado? A gente tem que ficar sujeito a uma burocracia como se ele fosse um cortador de madeira, um desbastador da natureza?”, questionou.

“Foi um processo enorme para se conseguir esse registro. Hoje, no Brasil são 42 bens tombados e para mim é um motivo de muito orgulho ter a viola registrada nesse conjunto de bens do Brasil. Há muitos processos de pedido, então se Mato Grosso do Sul deixar perder isso vai ser para lamentar pelo resto da vida porque não sei depois quando é que vai ter chance de novo na lista dos bens registrados”, alertou.

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