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Lei Maria da Penha ajuda a livrar mulheres de vários tipos de violência em Corumbá

Lívia Gaertner em 08 de Agosto de 2017

Instrumento legal que completa 11 anos, a Lei Maria da Penha é uma das mais estruturadas no mundo no tocante à proteção da mulher. Desde sua implantação, ela vem ajudando a sociedade a refletir sobre o conceito de violência através de ações e medidas. Elogiada, criticada e, por vezes, incompreendida, é inegável que, ao conhecer relatos de mulheres que se beneficiaram de seus mecanismos, fica evidente sua necessidade.

Uma dessas histórias o Diário Corumbaense irá contar nesta reportagem para evidenciar o que o foco da campanha Agosto Lilás vem debatendo durante esse mês: a violência doméstica contra a mulher vai além da agressão física. Marta (nome fictício) foi uma das mais de duas mil mulheres atendidas pelo CRAM (Centro de Referência e Atendimento à Mulher) desde sua implantação em Corumbá no ano de 2012.

Quem vê Marta, hoje, segura de si, não pode imaginar que, por dez anos, ela sofreu toda espécie de violência psicológica por parte da pessoa que ela dedicou afeto e carinho. “Quando fiquei com ele não sabia muita coisa, a gente não conversava muito. A gente se conheceu e já foi juntando os trapinhos. Ele se negava a falar do passado, se irritava quando perguntava”, disse ao começar a contar sua história de superação diante da violência de década.

Fotos: Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Marta (nome fictício) sofreu agressão psicológica por uma década

“Ele não me contava sobre nada que fazia. Quando perguntava sobre o salário,  respondia porque eu queria saber se ele já colocava as coisas dentro de casa. No carro, quando saía com ele, não podia sequer colocar uma música que gostava no rádio porque o carro era dele, foi ele quem conquistou com o trabalho dele. Eram pequenas coisas que iam minando o cotidiano”, contou a mulher.

Como esse não era o primeiro companheiro de Marta, ela achava que as coisas podiam se ajeitar com o tempo, entretanto, não era isso que acontecia. O filho mais velho dela, de outro relacionamento, era alvo constante dos dissabores do marido com quem convivia. Segundo ela, qualquer pretexto e ele já dizia que era para mandar o adolescente embora de casa.

Situação diferente não acontecia com o filho do casal, mais novo, e que nem mesmo podia desfrutar do carinho do pai que sempre estava em casa irritado. “Ele sempre reclamava que lidava com o público e ficava muito cansado, daí quando nosso filho era pequeno, até saía de casa quando ele chegava. Levava o menino pra outro quarteirão, passear, só para o pai descansar. Quando pedia um dinheiro pra ele e explicava que era para comprar algum brinquedinho para o menino, ele negava, foi daí que resolvi fazer uns trabalhos domésticos, mas quando fui comunicar a ele, a reação me deixou bastante amedrontada. Ele deu um murro no vidro do carro que quebrou”, lembrou.

O que mais deixava Marta agoniada era que o marido, conhecido na cidade, tinha uma personalidade amistosa na rua e outra oposta dentro de casa. “Ninguém podia acreditar no que eu contava. A errada parecia ser eu. A todo momento, ele me rebaixava, me jogava para baixo. Eu não me senti bem e fui na médica, ela me disse que estava com infecção e devia fazer o tratamento junto com meu marido. Quando contei a ele e mostrei os medicamentos, ele se recusou dizendo que sempre foi saudável e se tinha alguém doente era eu. Minhas irmãs me questionavam sobre como eu aguentava aquele clima dentro de casa, mas tinha esperança que ele fosse mudar”, disse.

“Ninguém nasceu para viver sofrendo”, diz vítima de violência psicológica

Foi justamente ao lembrar que quando teve alguém que a ouviu é que Marta veio às lágrimas. Cansada de sofrer calada o ranço do machismo do companheiro e temendo por algo mais grave, ela resolveu buscar ajuda na Delegacia da Mulher, de onde foi encaminhada para a Defensoria Pública.

“Um monte de coisa vinha na minha cabeça. Eu não queria que meu  filho mais velho soubesse que o padrasto o chamava de vagabundo. Ele disse para mim que era de Ponta Porã e lá as coisas se resolvem na bala, e eu não queria que chegasse nesse ponto. Eu não estava feliz. Queria a separação e ele não queria sair de casa. Estava me sentindo sozinha e ter procurado ajuda foi uma luz na minha vida, as pessoas da igreja não acreditavam no que eu falava. No CRAM, a psicóloga me ouviu e aí descobri que estava sofrendo violência psicológica e emocional, eu desconhecia isso. Queria que ele saísse de casa, mas se recusava porque tinha roupa limpinha e passada, comida na hora certa, não pagava aluguel porque a casa é herança de meus pais, o que ele queria era uma empregada porque marido que ama não maltrata a mulher”, declarou emocionada.

Devido a uma medida protetiva baseada na Lei Maria da Penha, o marido agressor não teve escolha e deixou a casa para alívio de Marta que diz não se arrepender de sua atitude. “Mesmo desempregada, eu estava em paz, feliz, aquele clima pesado já tinha saído. Veio a preocupação para buscar um emprego e por indicações de amigas fiz cursos. Hoje, estou empregada como monitora escolar e meu filho mais velho também está empregado”, contou a este Diário.

“Hoje, me vejo como uma guerreira, corajosa porque todos merecem respeito. Vivo em paz, meu filho me ajuda em casa. Temos o necessário, mas queremos viver melhor. Tenho uma vida muito feliz. Ninguém nasceu para viver sofrendo, infeliz. Nascemos para fazer o bem um para o outro. A mulher gosta de ter sua família, mas é preciso ter coragem para ser feliz”, disse Marta que, mesmo passando por essa experiência, ainda acredita no amor e que esse sentimento não se resume apenas nas aparências.

“Há quase dois anos estou sozinha, mas quero alguém para somar comigo. Quando vejo que a pessoa se aproxima para tirar proveito não quero. Quero uma pessoa que vai me respeitar, uma pessoa do bem. Estou atenta e alerta, não é mais qualquer carinha bonita que me encanta mais, hoje, olho lá dentro, vejo mais o caráter porque fui enganada por essa carinha bonita que não é tudo para sermos felizes”, ensinou.

CRAM continua prestando atendimento à Marta mesmo após vida livre do agressor

Números do CRAM

A violência psicológica veio num crescente dentro dos atendimentos do CRAM em Corumbá. Se em 2012, a agressão física correspondia a 70% dos casos atendidos, em 2016, ela representa 50%, segundo dados repassados pela coordenadora do Centro de Referência, Rosiene do Espírito Santo Mauro, ao Diário Corumbaense.

“A lei Maria da Penha protege mulheres em situação de violência, salva vidas, pune os agressores, fortalece a autonomia das mulheres, educa a sociedade, cria meios de assistência e atendimento humanizado, além de agregar à política pública, valores de direitos humanos. A criação dos serviços especializados agiliza o atendimento à mulher em situação de violência em todos os aspectos necessários para garantir a aplicação efetiva da legislação. E os responsáveis por essa aplicação efetiva da Lei Maria da Penha são os órgãos do Poder Executivo federal, estadual e municipal”, disse ao lembrar da implantação da Rede Municipal de Proteção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher, este ano, na cidade.

Para saber mais sobre a Rede e seus serviços, o telefone é (67) 3907-5437. Para denúncias, há os telefones de emergência 180 e 190.