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"O Português são dois; o outro, mistério"

Coluna Coisas da Língua, com Rosangela Villa (*) em 16 de Julho de 2021

Caros leitores

Na edição 2648, de 02 de julho, pontuamos alguns aspectos do Brasil que tornaram nossa pátria um mosaico belo e colorido de falas e de sotaques. Mas se isso, por um lado, distingue  nossa rica cultura, produto da nossa história, de outro, inquieta os defensores do mito da língua única concebida a partir da Gramática Tradicional para o modelo da linguagem na escrita.

Ao considerarmos as diferentes características das modalidades de uso da língua, deixaremos de acentuar o abismo entre linguagem falada e escrita, e passaremos a compreender melhor os desvios gramaticais ocasionados pela força do hábito da fala, sendo essa um ato mais forte e anterior ao surgimento da escrita.

Os desvios ortográficos e os equívocos na sintaxe são o principal motivo do chamado fracasso escolar, na aquisição do modelo padrão da língua. Talvez se os professores de português parassem de chamar de erro o que, na Sociolínguística, chamamos de “diferenças” ocasionadas por fatores sociais e individuais, tais como, o gênero do falante, a faixa etária, o nível de escolarização e o grupo socioeconômico a que pertence, teríamos menos desafios a enfrentar no processo de ensino do português.

Contudo, para isso, é importante registrar que a maioria das dificuldades do aluno reside no fato de ele não entender as dimensões da fala e da escrita, e quando e em quais ambientes devemos utilizar o recurso da monitoração linguística. Nessa esteira, cabe ao professor orientar sobre a necessidade de adequação da linguagem para atender aos variados ambientes de comunicação e os diferentes interlocutores com quem o falante interage no dia a dia.

Primeiramente, todavia, o mestre deverá aceitar a heterogeneidade dialetal do Brasil como um processo natural da língua e usar isso a seu favor, estabelecendo um ambiente escolar democrático, para, assim, evitar situações que possam gerar preconceito linguístico. Sobre isso, Silva (2004) nos alerta que a escola brasileira, falsamente democratizada nas últimas décadas, no que diz respeito ao ensino da língua materna, persegue, no geral, a tradição normativo-prescritiva cujo modelo é um português padrão idealizado, fundado originalmente no português europeu, muito diferente da variedade do idioma falado no Brasil.

O sociolinguista Marcos Bagno (2003), no livro, A língua de Eulália, nos apresenta um exemplo de variação entre o português padrão e o vernáculo, com a qual o professor tem que aprender a lidar. Trata-se da conjugação verbal que a gramática tradicional consagrou (eu amo, tu amas, ele ama, nós amamos, vós amais, eles amam) e aquela que encontramos no extremo da linguagem falada (eu amo; tu, ele, nós, vós, eles ama). Coisas da língua! Bom fim de semana.

(*) Rosangela Villa da Silva, Profa. Titular da UFMS, Mestre e Dra. em Linguística pela UNESP, com Pós-Doutorado em Sociolinguística pela Universidade de Coimbra/Portugal.