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Promotor vê “descarcerização” do tráfico como problema que pode levar a outros crimes

Marcelo Fernandes em 30 de Setembro de 2013

Presidente do Conselho Estadual Antidrogas de Mato Grosso do Sul (CEAD/MS), o promotor da Infância, Adolescência e Juventude, Sérgio Harfouche, afirmou, em Corumbá, que a lei 11.343, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) contém artigo que privilegia o tráfico. Ele fez uma palestra na segunda Jornada Acadêmica de Direito promovida pelo Campus do Pantanal, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), na última semana.

O presidente do CEAD/MS destacou, durante sua apresentação, que o Brasil está despreparado para o combate às drogas. "Isso já é sentido. Nos últimos onze anos o Brasil foi sendo desmantelado em seu sistema de saúde enquanto direcionava para a saúde a resposta e ansiedade para a questão das drogas. Isso por conta de uma falta de preparo do próprio Governo Federal diante dessa legislação e a tolerância cada vez mais ampla com o tráfico e com o uso. Todos os países que fizeram isso, países chamados de primeiro mundo ou não, retrocederam para colocar as coisas no lugar", argumentou.

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Promotor e presidente do Conselho Antidrogas diz que ainda é possível conter avanço do tráfico

Segundo ele, o Estado - ente federativo - precisa garantir leitos disponíveis para tratamento de dependentes químicos para combater essa situação de pandemia que as drogas se tornaram. "Precisamos urgentemente de instalação de leitos de abstinência, de contenção. Projeto de lei 7.663, que agora está no Senado, prevê internação voluntária e a compulsória. O Estado precisa urgentemente criar leitos de atendimento. O dependente químico crônico não tem condição de se conduzir, você não consegue levá-lo ao CAPS, a uma comunidade terapêutica ou sequer a abstinência. Só mesmo uma contenção do usuário. Precisamos oferecer a contenção inicial para desintoxicação, ele precisa ficar contido por um período de 20 a 30 dias, depois disso, ser orientado a um tratamento voluntário, sempre na abstinência, que é o elemento essencial para isso. Às vezes vem a recaída, que tem de ser considerada para efeito de reinício contínuo", disse.

Descarcerização e tráfico privilegiado

Atuando como promotor de Justiça da Infância e Juventude, em Campo Grande, Sérgio Harfouche disse a este Diário que vem acontecendo no país o que chama de "descarcerização do tráfico". Ele observou que atualmente 70% dos cárceres estão ocupados por traficantes. "O que tem se procurado fazer é exatamente isso, minimizar a aplicação da lei para que o usuário não vá preso, numa primeira mão, não ocupe uma dessas vagas. Discursos são produzidos no sentido de descarcerizar o tráfico. Isso vai gerar, sem dúvida, que esses crimes paralelos ao tráfico, como roubo, furto, sequestro, homicídio, sejam elementos que vão levar ao cárcere", ressaltou. "Quero saber o que vai acontecer dentro de cinco anos, quando os cárceres estiverem cheios de sequestradores, estupradores e latrocidas, o que vão oferecer", complementou.

Em sua análise, a banalização, pelo legislador, de artigos da Lei 11.343 leva a essa situação. "É crime portar, usar droga. A pena que é branda demais, mas isso gera condenação, gera a perda da primariedade e até reincidência para o uso", disse. O presidente do Conselho Estadual explicou que a Lei 11.343, de agosto de 2006, aumentou de três anos para cinco anos a pena para o crime de tráfico e foi aí que surgiu o problema. "Só que quando alguém era pego no tráfico - antes da Lei 11.343 - cumpria três anos porque é crime hediondo. Agora, com o parágrafo quarto, dependendo da quantidade de droga, esse cara, que é primário, recebe uma redução de dois terços da pena e de cinco anos, vai a um ano e meio. Passou a ser mais conveniente o tráfico. O dono de boca, traficante, alicia pessoas dizendo ‘olha você nem vai preso'. Só que ele não para na primeira e na hora que cai no presídio acaba sendo envolvido em outros delitos e faz com que reincida. Por isso, temos um contingente tão grande de pessoas presas pelo artigo 33. O parágrafo quarto, é chamado de tráfico privilegiado, porque daria então uma oportunidade ao traficante de primeira mão pegar pena menor", argumentou.

A Lei 11.343 em seu artigo 33 estabelece que é crime "importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas". O parágrafo quarto desse artigo, a que se referiu Harfouche, diz que "as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa".
"Consumo e dependência são escolhas ou opção. Isso degrada a sociedade, corrompe e compromete a infância e a juventude. Se valem dessas pessoas, os pais contaminam seus filhos no ventre, já nascem dependentes. Por enquanto temos expectativas, ainda é possível reverter e conter. A questão é que cada família deve cuidar de seus filhos. O álcool tem sido precursor da dependência química e do avanço sobre outras drogas. Precisamos que o poder público, em geral, combata ao grande tráfico. Nossas fronteiras ainda estão abertas, há transferências de grandes quantidades, sendo que só 5% são apreendidas", finalizou o presidente do Conselho Estadual Antidrogas.